segunda-feira, outubro 23, 2006

A urgência de uma Reforma Política

Já vi muita gente arregalando os olhos ao me ouvir dizendo que o resultado do primeiro turno das eleições mostrou o amadurecimento que tem nosso processo eleitoral já há alguns anos. Se as explicações que tenho para dar a seguir não convencerem essas pessoas, pelo menos espero dar-lhes um pouco de paz em seus corações.

Primeiro é importante esclarecer que a opinião que dei acima se refere somente às eleições ao Executivo, tanto Federal quanto Estadual. Temos a tendência de não entender o resultado de um pleito quando este não é favorável ao nosso candidato preferido, mas é dever nosso, como pensadores do mal, procurar ver todo o processo social sob sua perspectiva lógica e racional. Assim, a força de Lula, mesmo navegando num mar de merda, não é incompreensível se observarmos alguns números de seu governo, da mesma forma que não foi um acidente a provocação de um segundo turno com Geraldo Alckmin, haja vista, afinal, o mar de merda. O mesmo vale para o RS, onde a queda de Rigotto não foi nem um pouco surpreendente, como muitos dizem, graças aos resultados de seu governo e ao seu estilo “com ninguém me comprometerei, logo a ninguém magoarei”. A escolha por uma disputa mais direta entre Olívio Dutra e Yeda Crusius é um sinal claro e preciso das urnas. Isso, porém, não é assunto para agora.

Só para não perder a oportunidade: Há quem duvide da inteligência do povo, dizendo que “o povo é burro, o povo não sabe votar”, o povo é isso, o povo é aquilo... Ora, isso é negar Aristóteles, Adam Smith, Maquiavel, Rosseau, Weber, Marx. É negar as Ciências Sociais. Na Economia, existem questionamentos semelhantes, como ao fundamento de que quando é reduzida a oferta monetária há queda na demanda por parte dos indivíduos. Alguns, então, perguntam se uma dona de casa tem consciência suficiente da queda da oferta monetária para ajustar sua demanda a ela. Talvez, de fato, ela não tenha consciência disso, mas percebe perfeitamente o conseqüente aumento do preço do pão no mercado, do custo do vestuário, do material escolar de seus filhos, do custo de vida como um todo, e isso basta para a fazer reduzir sua demanda e, logo, fazer a redução da oferta monetária atingir seus objetivos. O mesmo vale para a Política: Nem todos os indivíduos são capazes de compreender se Lula é um representante ou não da terceira via surgida com o Trabalhismo inglês, ou se ele se enquadra ou não no movimento de esquerda surgido na América Latina, ou se Alckmin tem ou não uma proposta mais clara de ajuste fiscal, ou se blá, blá, blá.., mas todos são capazes de perceber se suas vidas melhoraram ou não no sentido mais amplo da expressão, e essa simples consciência inerente a todo o ser humano já basta para tornar o processo eleitoral compreensível sob uma perspectiva lógica e racional.

Mas na Política, como na Economia, para essa racionalidade funcionar plenamente é necessário que ela se embase num eficiente sistema regulador de seu processo. Sem isso, a racionalidade não funciona em prol do que deveria, ela é distorcida e promove as aberrações eleitorais que presenciamos no último dia 1º, especialmente no processo legislativo. Aqui, prezado leitor, tenho certeza que nossas opiniões convergem, assim como o pavor que temos acerca do futuro do nosso país: também achei um absurdo a eleição de tipos como Clodovil e Paulo Maluf ao Congresso Nacional. E se isso é culpa da “burrice do povo”, a nossa, dos gaúchos, autodenominados arrogantemente os mais politizados do país, está competindo pela dianteira com a eleição de Paulo Borges e do tal Mano Changes à Assembléia Legislativa.

É evidente que algo está errado nas eleições legislativas. Por alguma razão, o eleitor brasileiro não se identifica com o parlamento, não lhe sendo perceptível sua formação e tampouco sua influência na constituição política. E é para tornar as eleições mais claras ao eleitor, para fazer com que sua racionalidade funcione com mais eficiência que uma reforma política tem se mostrado tão urgente na nossa democracia. É fato que, alterando corretamente as regras eleitorais, surpreendentemente (para alguns) transformaremos o eleitor burro em inteligente, tão quanto ou talvez mais do que já tem se mostrado nas eleições das chapas majoritárias.

Todavia, é verdade também que ainda não sabemos que reforma política queremos. Muito se tem falado a seu favor, mas pouco se tem discutido acerca de seus pontos pragmáticos. A chamada cláusula de barreira certamente foi importante nesse sentido, ao impedir inteligentemente a proliferação de partidos de pouca representatividade da sociedade, responsáveis muitas vezes por canalizar corrupção e distorcer o processo eleitoral. Se a cláusula de barreira já estivesse em vigor há mais tempo, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo, dificilmente se elegeria senador, pois, em tese, um partido tradicional teria mais aversão a sua candidatura, tendendo a mantê-lo fora da política. Isso só não foi possível porque, como sabemos, o ex-presidente foi eleito pelo PRTB, um partideco minúsculo que provavelmente desaparecerá com a inclusão da cláusula na legislação eleitoral.

Outras questões de uma eventual reforma política também são importantes, como uma maior distritalização das nossas eleições legislativas. Convém frisar que, de certa forma, elas já são distritais, pois nós, gaúchos, por exemplo, elegemos os deputados e senadores daqui, do RS, os mineiros os de MG, os amazonenses os de AM, e assim por diante. Por isso falei numa maior distritalização, com a fragmentação das eleições em alguns estados em regiões menores e com um número menor de candidatos por região, o que permiteria aos eleitores conhece-los melhor a fim de aperfeiçoar suas decisões. Outro debate importante cerca a questão do chamado voto em lista fechada, onde o eleitor votaria num determinado partido político, ou numa coligação de partidos, que já teria uma lista previamente divulgada com seus candidatos que se elegeriam proporcionalmente à quantidade de votos que esse partido, ou coligação, receberia. Embora o eleitor perca sua liberdade de escolher especificamente o candidato que deseja eleger, a lista fechada incentivaria o voto em partidos e coligações, tornando o processo e o confronto político mais claro e objetivo, além de exigir dos partidos mais responsabilidade para com seus programas e ações.

O ponto de uma reforma política mais debatido atualmente gira em torno do financiamento público às campanhas eleitorais. Infelizmente, porque até agora não ouvi nenhum argumento que me convencesse que isso inibiria a obtenção de “dinheiro não contabilizado”.

Obviamente, uma reforma política deve envolver outras questões mais que as aqui citadas. O objetivo dessas linhas não é discuti-las, mas enfatizar a importância de uma reforma e incentivar a discussão acerca do aperfeiçoamento democrático no Brasil. A democracia é dinâmica, devendo ser construída e melhorada sempre, e não deixada num altar como algo a ser venerado sem questionamentos quanto a sua funcionalidade. Creio que os brasileiros já assimilaram seus princípios. Temos agora que atingir seus fins.