segunda-feira, dezembro 26, 2005

O Pensamento de Hayek à Realidade Brasileira*

Esse ensaio faz uma análise de aspectos da realidade brasileira sob a ótica exposta na obra O Caminho da Servidão, de Friedrich A. Hayek.

Antes que se trate do tema a que esse trabalho se propõe, é importante que se faça uma ponderação ao mesmo estilo de Hayek no prefácio de sua obra: esse é um trabalho político. Como recomendou Hayek, é importante que se deixe isso claro desde o começo. Esse ensaio terá, portanto, um viés ideológico forte, conforme aquilo a que indica a proposta sugerida. E como todo o trabalho político, e com a inclinação ideológica inevitável que tem, fatalmente estaremos abordando apenas um dos lados das questões, uma visão dos fatos, o que nos dará uma idéia parcial daquilo tudo que será apresentado.

Apesar da consciência disso, é feita também uma busca utópica em prol da imparcialidade, de uma abordagem moderada acerca das questões. Para isso, evitou-se o tratamento de aspectos puramente políticos, ou de ideologias aplicadas sem ponderações à realidade. Os próprios exemplos apresentados por Hayek em sua obra são extremos, reflexos de uma época conturbada da História da Humanidade, de quando não se encontram semelhanças tão fortes, ou evidentes, na atualidade.

O ensaio que se segue será focado em pontos da realidade brasileira cujos problemas têm causas consensuais em praticamente todas as suas interpretações. A isso se juntam outros aspectos de abrangência mais ampla, como a formação da nossa democracia.

No mais, o tratamento prático da realidade brasileira mostrará a capacidade das teorias de Hayek em lidar com os problemas de que esse ensaio se propõe a tratar.

A necessária regulação da liberdade
Um dos primeiros aspectos tratados por Hayek em sua obra, e que caracteriza qualquer pensamento liberal, trata da necessidade de uma regulação mínima que zele pelas liberdades e por um Estado de direito. A abordagem a ser feita sobre essa questão, mais do que sobre a expressão “regulação mínima”, tem como objetivo o debate acerca do fato de que essa “regulação mínima” deve zelar pelas liberdades individuais.

Geralmente, quando abordada, essa questão é tratada sob um ponto de vista filosófico que, embora tenha importância, acaba caindo em questões subjetivas de pouca análise prática. A abordagem puramente filosófica trata da interferência do Estado sobre a vida dos indivíduos e, ao caso brasileiro, costuma se fixar em questões pontuais, como a alta carga tributária, aos inúmeros serviços públicos utilizados por uma minoria e pagos por todos etc. Trata do chamado “socialismo moderado” em que vivemos. A questão prática do assunto, no entanto, e ao qual daremos ênfase, tratará da forma como essa intervenção estatal corrói o funcionamento do mercado, não devido somente à sua intervenção propriamente dita, mas principalmente à forma como essa intervenção acontece.

O Brasil é carente de liberdade de mercado. Mas mais do que carente dessa liberdade, é carente de boas e fortes instituições capazes de regular essa liberdade de forma que ela seja preservada e eficaz para atender às demandas sociais. A necessária regulação dos mercados é abordada desde Adam Smith e alicerça todo o pensamento liberal, sendo ainda mais enfatizada pelos chamados neo-institucionalistas como os economistas David Landes e Amartya Sen – embora estes não mais foquem a liberdade como ideologia - ampliando a idéia a questões culturais que também podem ser abordadas, desde que com algumas ressalvas. A questão institucional, portanto, passa a ser o foco central do debate brasileiro acerca das questões de liberdade sob uma ótica de praticidade, de política pública e de sociedade, muito mais do que a simples abordagem da liberdade como filosofia de vida ou como visão utópica de mundo.

O problema de regulação de mercados no Brasil vem desde muito, e historicamente tem prejudicado o nosso desenvolvimento. Esse debate envolve basicamente duas questões: o mau funcionamento das instituições e a sua instabilidade.

Inúmeras são as instituições brasileiras que atrofiam o funcionamento do livre mercado, como a nossa legislação ambiental imprecisa, nossa legislação trabalhista que nos tira competitividade e, de forma geral, todo o judiciário lento. A questão das más instituições pró-mercado não se restringe a esse Poder, e vai até outros aspectos de ordem às vezes inferior, como a burocracia e lentidão de serviços públicos básicos, desde aqueles ligados à abertura e fechamento de empresas, até os responsáveis pelos atendimentos de educação, saúde e segurança – que aumentam o custo do empreendimento ao capitalista.

E as regras de mercado representadas por essas instituições, além de incapazes de cumprir o papel de agilizar seu funcionamento, costumam ser pouco estáveis ao longo do tempo, tirando a confiança do investidor – não havendo a existência, portanto, do que Hayek chama de Regime da Lei. A desconfiança do capitalista em relação ao nosso país se reflete nas próprias políticas econômicas que temos que adotar, como altas taxas de juros, por exemplo. A confiança na manutenção de regras claras é fundamental para o bom funcionamento do mercado. A ênfase na importância de um estado mínimo eficiente em prol do mercado dada por Hayek, parece se traduzir no Brasil na constituição de um estado grande e que, mais que regular, busca controlar o mercado.

Exemplo disso tudo são as recentes agências reguladoras, que visam regular as estatais privatizadas e os serviços prestados por empresas portadoras de monopólios naturais. Essas agências têm se mostrado ineficientes no cumprimento de seu papel de regular em favor do mercado, tendo muitas vezes interesses incompatíveis em sua política de atuação com aquilo a que se prestam. Além disso, sua função sobre o mercado e suas definições ambíguas que as caracterizam no Brasil tiraram a confiança necessária aos investidores para que estes acreditem no retorno do capital empregado. Como conseqüência, temos nas empresas privatizadas e portadoras de monopólios naturais - em todas, mas mais particularmente as do setor elétrico - os maiores gargalos ao desenvolvimento econômico brasileiro para os próximos anos.

O mesmo ocorre para a construção política que aqui se fez. Hayek aponta para a importância de articular a democracia de forma que seus valores independam de quem esteja no poder. Evidência da fragilidade da nossa democracia ocorreu no processo de eleição e durante o primeiro ano de governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando capitais fugiram do país com o temor de que o novo governo não cumprisse os contratos firmados no mercado. Em países de democracia forte, o “não cumprimento de contratos” é uma possibilidade inexistente, independente das mudanças de governo que ocorram. Isso garante estabilidade ao investidor e, assim, progresso econômico.

E cumprimento de contratos implica regras claras desde antes. Isso é impossível num país onde um governante pode mudar as regras sociais ou econômicas à hora que pretender através das chamadas Medidas Provisórias, ilimitadas e independentes da opinião do Parlamento. As Medidas Provisórias são uma forma de lei que diz que “tudo está na lei”, o que impede a aplicação do que Hayek chama de Regime da Lei. Trata-se, ainda seguindo a idéia de Hayek, de uma agressão à liberdade individual, onde se fica a mercê dos interesses de um indivíduo que, naquele momento, é soberano sobre as demais instituições democráticas. Isso inibe a confiança dos capitalistas na manutenção de regras claras para o mercado e na previsão do retorno do seu investimento, inibindo também, logo, o desenvolvimento econômico e conseqüentemente social.

Segurança Econômica e Liberdade
Segundo Hayek, ou se tem segurança econômica, e assim segurança na expectativa de retorno do investimento, ou se tem liberdade. Uma coisa implica na ausência da outra. Toda segurança econômica implica no sacrifício de uma classe social em prol de outra. Além disso, os não-segurados ficam relativamente mais inseguros com a segurança dos primeiros.

É muito comum no Brasil o requerimento de segurança para a atividade econômica. Parte do problema provém de questões culturais dos nossos investidores ou dos de fora que aqui chegam para investir. É como buscar obter vantagens sem querer assumir os riscos. Isso é resultado do paternalismo existente na sociedade brasileira, e sobre o qual falaremos mais adiante, onde sempre a participação do Estado é requerida a fim de conter incertezas ou inseguranças sociais ou dos mercados. Trata-se de segurança econômica em detrimento de toda a sociedade que terá de pagar pela desconfiança de poucos. Isso sem citar a injustiça cometida àqueles que não são segurados.

Um exemplo típico é o ocorrido a empresas multinacionais no caso de incentivos fiscais, principalmente no case das montadoras de automóveis. A maioria delas, ao ingressarem no Brasil, chantageia o Estado por segurança econômica – fazendo com que elas tenham os possíveis lucros, mas não assumam os riscos por eles. Um caso bastante debatido foi o ocorrido no Rio Grande do Sul no ano de 1998, quando uma grande montadora de automóveis transferiu seu projeto de investimento para outro Estado porque o primeiro se recusou a lhe conceder a série de incentivos e investimentos requeridos para a instalação da fábrica. Tratava-se da busca pela montadora por segurança econômica a ser paga por toda a sociedade gaúcha, em detrimento das finanças públicas estaduais, de outros serviços públicos vitais, e da sociedade diretamente, que, além de pagar pela segurança econômica da montadora através do Estado, estaria relativamente mais insegura quanto aos seus empreendimentos por não terem a mesma segurança.

Vale ressaltar também que a busca constante dos agentes por segurança econômica no Brasil em muito se deve à insegurança institucional aqui existente, como fora abordado no capítulo anterior. O fator chave no case da montadora no Rio Grande do Sul foi a carga tributária que a empresa pagaria e que, sendo menor no segundo Estado, a fez mudar seus planos de investimento. Embora se trate, sem dúvida, de uma chantagem por segurança econômica, tal fato não teria ocorrido caso a carga tributária gaúcha fosse compatível com o retorno previsto aos investimentos realizados. Da mesma forma, mas num contexto mais amplo, a alta taxa de juros requerida pelos investidores pelos papéis brasileiros se deve à falta de confiança existente no pagamento das nossas dívidas, característica construída ao longo da história econômica conturbada do nosso país. Certamente, se o Brasil fosse um país de instituições e mercado confiáveis, a busca por segurança econômica por parte dos agentes seria menor.

Portanto, cabe ao Estado zelar pela liberdade de mercado, afim de que os agentes se apropriem das vantagens de suas ações livres, mas desde que estes também assumam a responsabilidade sobre elas. O que parece ocorrer, no entanto, é que nem o zelo pelas liberdades por parte do Estado, nem a o ato de assumir as responsabilidades por parte dos agentes, tem sido observado na nossa sociedade, independente da relação causa-conseqüência.

O Federalismo de Hayek à sociedade brasileira
Uma das idéias trabalhadas com mais detalhamento por Hayek em sua obra trata do federalismo, um modelo de organização política onde uma autoridade superior teria poderes estritamente definidos enquanto a outros respeitos cada país teria total responsabilidade sobre seus atos. Hayek desenvolveu essa idéia para a construção de uma federação mundial que se cogitava na época – incluindo esse assunto no capítulo titulado As Perspectivas da Ordem Internacional. O objetivo daqui será tratar dessa idéia junto ao caso brasileiro, o que, ainda segundo as idéias Hayek, nos garantiria a democracia na relação entre os estados federados.

A federação em que se constitui o Brasil apresenta algumas deformidades desde a sua formação – gerando debates que hoje se resumem na questão da revisão do pacto federativo. Estamos, portanto, tratando de algumas dessas deformidades e de suas conseqüências sociais.

Um dos pontos abordados por Hayek acerca desse tema é o que afirma que, numa federação que ramifica a unidade em estados menores, o homem comum teria maior capacidade de compreender e fiscalizar o funcionamento da organização política que o cerca. Somente assim se garantiria a participação política de todos os indivíduos. De fato, no caso do Brasil, a pouca participação popular na política se oriunda de um problema remanescente desde o Regime Militar, quando, como apontado pelo cientista político argentino O’Donnell, o afastamento da população das questões políticas consistia numa política de governo. A sociedade brasileira – e de toda a América Latina, é verdade, ainda segundo O’Donnell – desconhece a situação e a formação da estrutura política de seu país. Por Hayek, uma das causas disso, e o que é apontado como a causa de muitos outros problemas, seria o grande poder centralizado que caracteriza o federalismo brasileiro. Com poderes mais concentrados nos Estados e municípios, o cidadão comum teria mais condições de compreender as ações do governo acerca da esfera sobre a qual tem ação. Isso aumentaria a participação e a consciência política da nossa sociedade.

Uma boa estrutura federativa deveria ser capaz de impedir a tirania de governos que a compõem, tanto dos federados quanto a do governo central. Para isso, não bastaria nos posicionarmos moralmente contra a tirania, mas nos caberia organizar a federação de forma que os diferentes estados sejam capazes de fiscalizar uns aos outros. Essa estrutura federativa, analisada ao caso brasileiro, pode ser adaptada ao problema persistente do combate à corrupção no país. Adaptando a idéia de Hayek a isso, temos a proposta de articularmos nossa federação de forma que os Estados e a União sejam capazes de fiscalizar a corrupção uns nos outros e, de alguma forma, inibir sua ocorrência. Por parte da União para com os Estados, esse conceito já tem certa funcionalidade e vem tendo avanços desde o início da década de 1990. A relação inversa, no entanto, ainda é precária, sendo a União fiscalizada por ela própria - o que compromete sua eficiência. A ação do Ministério Público se constitui numa alternativa para a fiscalização dos diferentes governos, mas não reflete a proposta de Hayek.

A má formação do federalismo brasileiro pode ter uma interpretação histórica: A centralização do poder em um governo central sempre nos foi importante para a unificação do nosso país desde o período colonial. As constantes revoltas provinciais, muitas pela sua independência do domínio português ou imperial, fizeram com que o governo central fosse pouco a pouco concentrando poder em suas mãos, impondo isso à cultura política nacional até os dias atuais. E hoje isso se reflete numa concentração tributária no Governo Federal, na constante atuação desse governo nos serviços públicos, como saúde e educação, além de sua função de principal investidor em infra-estrutura – devido, principalmente, à incapacidade disso por parte dos governos estaduais.

Crítica ao paternalismo da sociedade brasileira
Mais do que a simples atuação do Estado brasileiro sobre a economia e, logo, como explica Hayek, sobre todas as demais funções sociais, a sociedade brasileira é culturalmente paternalista. Temos enraizado na nossa formação a idéia de que o Estado deve ter participação em todos os campos de interação entre os indivíduos e que, assim, deve intervir em tudo aquilo que lhe seja possível ou necessário. Trata-se de uma noção de fragilidade enquanto sociedade que somos, e de incapacidade de enfrentarmos questões pertinentes somente a nós, e não ao Estado.

Exemplo disso é a questão acerca da qualidade da televisão brasileira. A má qualidade da televisão é debate em todo o mundo democrático - pois sua popularização gerou demanda inevitável por programação de baixa qualidade – mas somente no Brasil isso se tornou política de Estado. E isso devido a uma própria demanda da sociedade, um requerimento social para que o Estado intervisse na programação televisa pela melhoria de sua qualidade. Não nos é palpável a idéia de que a qualidade da televisão é uma questão de sociedade, de mobilização social pela causa, e não de Estado. O mesmo argumento se aplica a outros casos em que a ação estatal é requerida em substituição à ação da sociedade civil organizada.

E o paternalismo não existe somente na relação sociedade-estado, mas na relação entre as próprias camadas sociais. Temos uma elite que se acha superior ao povo e que, portanto, crê ser capaz de saber o que é bom para o povo melhor do que o próprio povo. E o mais curioso: temos um povo que também acha que deve haver uma elite superior a ele e que deve decidir por ele o que é bom para ele mesmo. É uma ação inconsciente por busca de proteção, por recusa dos indivíduos em assumirem a responsabilidade por seus próprios atos - base para a formação da cultura liberal necessária à construção de uma sociedade idem. A forte presença estatal, portanto, em diversos aspectos e particularmente na economia, é reflexo de uma vontade difundida entre nós de querermos o Estado protegendo os indivíduos.

Isso talvez também se deva ao passado. A formação histórica do nosso país fez com que os brasileiros vissem o Estado sempre como um inimigo do povo. Deveras, foi sempre isso que o Estado representou: o Estado português durante o Brasil colônia; o Estado “pseudo-português” durante o Brasil império; além de todos os períodos de ditadura vividos na época republicana. A idéia de Estado trabalhando ao lado da sociedade é algo muito recente, o que talvez tenha gerado uma carência social por ações do Estado em prol do povo nos dias atuais. A sociedade brasileira contemporânea, portanto, necessitaria ver o Estado atuando em seu benefício como uma forma de recompensa por séculos de total abandono estatal pelas suas causas, ainda não entendendo a fronteira tênue existente entre aquilo que de fato requer ação do Estado e aquilo que requer a ação da própria sociedade. Trata-se, talvez, da imaturidade de um país mal acostumado em assumir os rumos de seu próprio futuro.

Conclusão
O objetivo desse ensaio foi associar algumas idéias de Hayek presentes em sua obra estudada ao caso brasileiro, conforme a proposta feita.

O pensamento de Hayek se estruturou num período histórico diferente do vivido pelo Brasil atualmente, o que impede uma abordagem completa de seu raciocínio. Foi possível utilizar, no entanto, questões pertinentes a qualquer período, como a análise da estrutura federativa e a idéia de paternalismo. Aspectos mais técnicos abordados por Hayek, principalmente aos que tangem à Economia, também foram passíveis de utilização, devido às características da nossa formação econômica e à situação em que nos encontramos.

A mudança da nossa realidade para outra que consideramos melhor passa inevitavelmente por uma transformação do nosso pensamento, a fim de obtermos uma nova noção da participação do Estado sobre a sociedade. Da mesma forma, um aperfeiçoamento das nossas instituições parece fundamento para uma melhor atuação do livre mercado, nos possibilitando, daí, usufruir de seus benefícios.

Nos cabe, a partir de agora, pensarmos o Brasil a partir de uma perspectiva mais ampla, analisando características não vistas por Hayek, mas utilizando suas propostas de forma responsável como uma interpretação do passado a fim de construirmos o futuro. E a construção do futuro requer a revisão constante das idéias liberais em adaptação à nossa realidade, sem a qual perderemos muitas oportunidades de avanços sociais.

*Texto apresentado originalmente sob o título O Caminho da Servidão e a Realidade Brasileira: o Pensamento de Hayek na Análise de Casos Empíricos, como quesito de avaliação ao II Prêmio Donald Stewart Jr. – Instituto Liberal do Rio de Janeiro, em 2005.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Por que inflação é ruim?

A idéia desse artigo me veio quando estudamos, na primeira etapa do curso de Teoria Macroeconômica II, o trade-off existente entre inflação e desemprego, fundamentado sobre os pressupostos da curva de phillips. Sob essa perspectiva, a política econômica deveria optar pelo emprego em troca da tolerância com níveis elevados de inflação, ou por inflação baixa, ao custo de um nível de desemprego maior.

Os problemas gerados pelo desemprego – e da redução do nível de atividade econômica, que é sua causa - sempre me foram claros, como acredito os serem para a maioria: queda da massa salarial, aumento da pobreza, aumento da necessidade de assistencialismo, crescimento das tensões sociais etc. Ora, se suas conseqüências são tão óbvias, e ruins, como sabemos, por que não optar pela tolerância com a inflação a fim de mantermos o pleno emprego?

O objetivo desse trabalho, pois, é mostrar que, de fato, existe um trade-off entre inflação e desemprego, ou seja, que a inflação também gera problemas que torna a opção por ela tão difícil, ou mais, de ser tolerada pela sociedade quanto a pelo desemprego. A intenção aqui, portanto, não é tratar de teorias da inflação, tampouco determinar suas origens e causas. Viso aqui apenas apresentar os malefícios trazidos pela inflação, tanto sobre o bem-estar dos agentes quanto sobre a estabilidade social, a fim de que se possa compreender melhor as conseqüências desse fenômeno econômico.

Inflação como um tributo sobre a moeda e geradora de ineficiências
Considerando a moeda como um bem, a inflação age sobre ela como qualquer tributo age sobre um outro ativo. Sobre a moeda, a inflação pode ser comparada com um imposto direto, sobre valor adicionado, sobre a renda ou sobre os ganhos de capital. Isso porque qualquer pessoa que retenha dinheiro sofre prejuízo de seu valor (ou seja, de seu poder aquisitivo) quando se encontra em ambientes inflacionários.

No caso de emissão de moeda, de novo como qualquer outro imposto, a inflação consiste na transferência de renda dos agentes econômicos ao governo. Ao dobrar a quantidade de moeda em circulação, por exemplo, para poder pagar suas despesas, o governo adquire renda em troca de uma diminuição de 50% do valor da moeda. Ou seja, aqueles que retém moeda, ceteris paribus, ficam com 50% a menos de poder aquisitivo. Isso representa o mesmo que a existência de uma lei que exige que quem tenha dinheiro entregue metade dele ao governo. A base de arrecadação desse imposto, nesse caso, é os agentes com acesso à moeda.

Determinadas medidas econômicas tomadas pelo governo favorecem a manutenção da base de arrecadação do imposto inflacionário. Um exemplo é dar aos bancos um teto de juros a serem pagos sobre depósitos, que os bancos ficam obrigados a respeitar, e que inibe os agentes a depositarem nos bancos, incentivando a permanência de moeda com os agentes, possibilitando uma maior arrecadação do governo através do imposto inflacionário. Outro exemplo de medida governamental que ocasiona esse efeito é a proibição de realização de reservas em moedas estrangeiras pelos agentes, que os faz manter moeda nacional em mãos, novamente possibilitando a arrecadação através do imposto inflacionário.

E consistindo num imposto, logo, a inflação tem conseqüências como tem um tal: prejudica o bom funcionamento do sistema de preços, pois altera seus valores relativos; e provoca perda de eficiência e bem-estar por parte dos agentes, que, além de se depararem com os preços dos bens alterados, não conseguem maximizar suas utilidades, dada suas restrições orçamentárias, como o conseguiriam caso o imposto inflacionário não existisse.

Para poder fugir do imposto, os agentes procuram evitar guardar moeda, fazendo mais transações econômicas: famílias gastam imediatamente o que recebem, empresas pagam seus funcionários de forma parcelada, estoques são renovados imediatamente etc. Os agentes visam, em outras palavras, poupar reservas em dinheiro. Essa necessidade de se desfazer de moeda rapidamente gera perda de eficiência na alocação de recursos.

Basicamente, a inflação gera três tipos de ineficiência:
1. O problema do chamado medidor de estacionamento, que consiste na dificuldade que têm os agentes em determinar com precisão preços específicos (de um bem determinado) em relação ao nível geral de preços, que se encontra em ascensão;
2. Em ambientes inflacionários, a obtenção de informações acerca das condições de mercado, principalmente em relação à ocorrência ou não de inflação imprevista, passa a ter um custo muito alto, pois os agentes passam a necessitar se desfazer mais rapidamente da moeda (o tempo passa a ser um bem escasso, haja vista a rapidez com que os preços sobem). Assim, realizam transações sem poderem obter informação perfeita e completa acerca do mercado onde se encontram.
3. Geração de incertezas, principalmente, de novo, no caso de ocorrência de inflação inesperada. Isso faz com que os agentes visem depositar suas economias em salvaguardas contra a inflação, enquanto poderiam estar investindo em bens de capital, por exemplo, que geraria aumento da produção. Isso ocorre porque a busca por salvaguardas tem um custo de transação menor, considerando a dificuldade de se realizar previsões que há num ambiente inflacionário.

Inflação como redistribuidora de renda
A inflação tem por conseqüência alterar o valor de ativos a passivos monetários, devido, evidentemente, à desvalorização que sofre a moeda com a inflação. Com ela, devedores em termos monetários têm ganhos, pois passam a dever menos conforme a moeda se desvaloriza em relação aos demais bens da economia. De forma oposta, credores em termos monetários têm perdas, pois as dívidas que outros agentes têm para com eles passam a ser relativamente menores. Como o governo costuma ser o maior devedor em uma sociedade, novamente a inflação serve como uma redistribuidora de renda a seu favor. Os mais prejudicados são os que têm economias guardadas e os pensionistas, como os aposentados, que financiam suas aposentadorias com poupanças que, com a inflação, vão perdendo seu valor.

Às vezes, diz-se que os bancos costumam ser os maiores beneficiados pela inflação, pois emitiriam contas correntes que se constituiriam em débitos. Isso geralmente não ocorre, pois os ativos bancários costumam ser maiores que seus passivos.

O controle de preços, medida geralmente utilizada para amenizar as conseqüências da inflação, tem o efeito de acelerar o processo de redistribuição de renda. Isso porque, sendo os preços controlados, estes não conseguem acompanhar a pressão inflacionária, havendo uma transferência de renda destes aos demais produtos que conseguem. O produtor de um bem com preço tabelado, por exemplo, transfere renda para um consumidor cujos rendimentos acompanham a inflação. Esse tipo de processo também ocorre em relações empregado-empregador, banco-devedor etc.

Conseqüências sociais da inflação
Não há diferença entre um processo moderado de inflação e outro maior no que tange às suas conseqüências, a não ser nas suas intensidades. A primeira que se observa é a existência de um custo de transação maior, devido à escassez de tempo que a subida de preços acelerada provoca. Isso gera detrimento no tempo dedicado pelos agentes à produção ou, mais comumente, no dedicado ao lazer, o que afeta diretamente seu bem-estar.

Outra conseqüência observada é a ascensão da atividade especulativa como principal fonte de renda dos agentes. Isso consiste na manutenção de ativos não-monetários, ou em moeda estrangeira, e na sua revenda por um preço superior após a atuação do processo inflacionário - em detrimento da atividade produtiva. Passa a se proliferar os agentes intermediários no comércio, que compram produtos a um determinado preço e os revendem a um outro maior. Esse aumento de intermediários também favorece o surgimento do comércio ilegal de produtos revendidos, que se beneficiam do aumento de preços proveniente da inflação.

O crescimento da demanda por especulação, particularmente a financeira, também faz proliferar o surgimento de bancos e casas de câmbio. Isso se deve ao aumento da busca por moedas estrangeiras e títulos rentáveis como meio de salvaguarda contra a inflação.

Outra conseqüência do processo inflacionário é o acirramento de conflitos entre empregados e empregadores pelo nível do salário real. Isso em decorrência da variação dos preços relativos e da incerteza existente quanto a essa variação, o que provoca o problema do medidor de estacionamento na determinação dos salários.

Empiricamente, vê-se que a inflação costuma gerar aumento da disparidade de renda, além da intensificação da pobreza, devido ao pouco acesso que determinados ramos da sociedade têm à especulação, logo, às salvaguardas contra a inflação. Isso determina a redução da classe média em prol da concentração de renda nos extremos.

A inflação também altera os valores morais existentes na sociedade. O aumento dos rendimentos com especulação, por exemplo, faz aumentar o desejo de se obter ganhos através de métodos ilegais, haja vista a propensão que o ambiente especulativo tem para com esse tipo de atividade. Isso tende a elevar os níveis de corrupção. A incerteza trazida pela inflação, por sua vez, gera o desejo de usufruir o tempo presente sem preocupação com o que virá no futuro, pois nada garante o ambiente se encontrará nos períodos seguintes. Esse sentimento inibe a realização de poupanças e planejamentos para o longo prazo, tornando essa sociedade economicamente imediatista.

Estabilidade institucional num ambiente inflacionário
Tem-se a idéia de que inflação não combina com democracia, pois inflação gera conflito social que, por sua vez, só consegue ser detido com repressão política, que vai contra os ideais democráticos.

De forma mais pragmática, inflação gera ineficiência econômica e estagnação do progresso, fazendo com que a legitimidade de todo o modelo capitalista de sociedade, e não somente a política econômica, sofra danos. O controle de preços, como já se apontou como política comumente usada a fim de conter os efeitos da inflação, além de agravar o problema da eficiência econômica, aumenta o conflito entre diferentes setores da sociedade. Exemplo de conflito social causado pela inflação é a atuação mais agressiva dos sindicatos na determinação do salário real, o que pode ser considerada uma conseqüência da inflação, e não sua causa como às vezes se interpreta.

O aniquilamento da classe média provocado pela inflação também gera instabilidade social, pois é a classe média a principal responsável pela manutenção do modelo social em que se encontra. Ela tende a ser conservadora, a acreditar na ordem social e a confiar nas instituições. Além disso, tem sentimento de ordem, não aderindo a mobilizações populares contra o modelo vigente, impedindo a polarização entre esquerda e direita. A destruição da classe média e, logo, de seus valores, como senso de ordem, de lei e de valorização do serviço público, no longo prazo pode significar o aniquilamento de todo o modelo capitalista de sociedade.

Conseqüências das políticas de combate à inflação
As ferramentas que o governo tem para o controle da inflação, que causam queda do crescimento econômico e do nível de emprego, também geram perda de legitimidade da ordem econômica vigente. Os agentes passam a ver o modelo, e não a inflação, como o culpado pela instabilidade econômica.

Existem basicamente três políticas diferentes com a qual se pode tratar a inflação: ou permitir que ela continue atuando e, assim, se intensifique; ou congelar preços e, portanto, controlar a inflação através da centralização da economia; ou frear a quantidade de moeda em circulação. Todas essas políticas trazem conseqüências variadas, e a maioria delas desagradáveis, mudando somente o tempo em que essas conseqüências serão sentidas pela economia: se no curto, ou no longo prazo.

A inflação, para manter o pleno emprego, razão pela qual muitas vezes ela é tolerada, teria que ficar em constante aceleração, dada a idéia de expectativas adaptativas. No futuro, no entanto, essa inflação tende a gerar mais desemprego, pois a alocação ineficiente de recursos que gera também se aplica ao mercado de mão-de-obra. Isso porque a inflação altera o fluxo monetário entre as diferentes etapas produtivas, alocando trabalhadores em setores que oferecem salários mais altos devido à alteração de seus preços relativos. Quanto mais tempo ela dura, portanto, mais trabalhadores são empregados em setores que dependem de sua manutenção. Logo, quando essa inflação tiver que ser controlada, dependendo do nível de dependência a ela em que essa economia se encontra, o nível de desemprego gerado pela política de restrição será muito maior do que seria no caso do controle de uma inflação moderada e/ou que tenha atuado por um período curto de tempo.

Esse artigo mostrou que a opção pela tolerância com a inflação tem um preço bastante alto, de cujo pagamento não parece haver fuga. Podemos perceber também que suas conseqüências tocam as demais áreas das Ciências Sociais de maneira direta, se tornando uma dificuldade a ser enfrentada de forma multidisciplinar.
O combate desse problema, no entanto, não é uma tarefa fácil de ser executada, como sabemos. Seus custos também são altos, o que torna o trade-off entre inflação e desemprego pertinente ao estudo pela Economia. É como se tivéssemos que tratar de uma doença grave com um remédio que pode gerar ainda mais sofrimento ao paciente com seus efeitos colaterais.
Esse trabalho sugeriu que, embora o remédio seja amargo, o tratamento é necessário, pois o convívio com a doença se mostra, mais cedo ou mais tarde, insuportável.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

O blá blá blá dos juros

Desde a sua posse, o Governo Lula vem mantendo a política econômica alicerçada sobre três pilares: câmbio flutuante, metas de inflação e taxa de juros. Esses são os fundamentos da política econômica desde a desvalorização do Real ocorrida em 1999. Há quem diga que a livre circulação de capitais seria o quarto pilar. Sendo ou não, fato é que estes foram, com pequenas turbulências, capazes de manter os rumos daquilo que essa política econômica considera prioridade.

Um desses pilares, no entanto, causa singular discussão: a taxa de juros. De forma geral, com exceção de um pequeno período em 2004, esta vem se mantendo em ascensão com o pretexto de controlar a inflação. As conseqüências disso são perversas no que tange a crescimento econômico, especialmente num país como o nosso, com gritantes demandas sociais. A discussão provém, portanto, da angústia de uma sociedade cansada de paralisia econômica e ansiosa por avanços rápidos em suas questões pertinentes.

O último ano, porém, se mostrou atípico. Apesar do aperto monetário, o país cresceu mais de 5%, obtendo saldo histórico na balança comercial e controlando, relativamente, a inflação. Muito disso se deve ao ótimo momento vivido pelos exportadores, principalmente os do setor primário, sendo a exportação a principal variável determinante do bom resultado geral que se obteve.

Apesar desse viés, críticas à política econômica permanecem, principalmente as que tratam dos juros, mas também outras, como as que apontam a uma espécie de "dependência" que o Brasil passou a ter do setor externo. Isso tem fundamento no fato das nossas contas externas terem obtido superávit através da exportação de commodities agrícolas, que têm preços voláteis, e da atração de capitais através dos juros altos. Logo, esse cenário positivo, segundo as críticas, se acabará no momento em que a conjuntura internacional não for mais tão favorável - o que se evidencia já a partir desse ano. Além disso, ainda segundo as críticas, o Estado estaria engessado devido aos superávits primários que tem de manter a fim de equilibrar a relação dívida pública / PIB - um dos principais indicadores de solvência no mercado financeiro - pois os juros altos põem o custo dos nossos papéis nas nuvens. Todo esse esforço em nome de metas de inflação altas, e que nunca se cumprem.

Senhores, os críticos estão certos!

Deveras, as altas taxas de juros tem prejudicado, e muito, o desempenho da nossa economia no que se refere a crescimento. Isso é inegável. A manutenção da taxa básica de juros em altos níveis gera um efeito em cascata que eleva todas as demais taxas de juros do sistema financeiro, inibindo o consumo e o investimento - o que garantiria o crescimento agora e depois. Mas, também é inegável, a manutenção dos juros altos tem controlado a subida da inflação que, sendo ou não de demanda, responde às taxas - inflação essa que é alta se comparada com as de países mais desenvolvidos ou até mesmo a de outros aqui no nosso lado, como o Chile. Esse trade-off entre inflação e crescimento tem ganhado força através de uma concepção moderna de desenvolvimento, mais qualitativo do que quantitativo. Ou seja, crescimento deixa de ser o fim da política econômica e passa a ser um meio para se atingir outras metas. Não mais nos serve o crescimento a qualquer custo, ao estilo "milagre", visado aqui nas décadas passadas e que gerou uma sociedade desigual e injusta, com todas as conseqüências que essas características trazem. O controle da inflação, mesmo às custas do crescimento, é importante porque protege os setores mais frágeis da economia e possibilita avanços sociais.

A tal de "dependência" do setor externo também é verdadeira. Mas aviso: se acostumem, pois será assim para sempre. E isso não se aplica somente ao Brasil e a demais países emergentes, mas a todos, de forma geral. A globalização econômica tende a fazer com que, cada vez mais, o ritmo do crescimento dos países acompanhe o crescimento mundial. Alguns, como EUA ou China, eventualmente assumirão o papel de locomotiva nesse processo, mas nem estes estarão à parte do que ocorre no restante do mundo. A presente ordem econômica força os países a usufruir dos bons momentos o mais que puderem, e a se prepararem para enfrentar bem os momentos de vacas magras que também virão. É uma dependência de uns aos outros. Todavia, aquela dependência no sentido antigo da palavra, do capital estrangeiro, do "imperialismo financeiro" etc, felizmente não nos é mais tão presente. Os nossos saldos comerciais nos têm transformado num país que consegue pagar suas contas e bancar sua dívida externa, nos fazendo mais sólidos e confiáveis. Além disso, os constantes superávits primários acima dos 4% do PIB realizados pelo Estado também visam manter a dívida pública sob controle, fazendo com que este mostre capacidade de saneamento dos seus gastos. No fundo, o que se está buscando é solucionar problemas históricos da nossa economia gerados numa época em que crescimento era a finalidade mesmo com o sacrifício das gerações futuras. Pois somos a geração futura.

E, por fim, ainda seguindo o raciocínio acerca do Estado, mais uma verdade dita pelas críticas à atual política econômica: o Estado brasileiro está, sim, engessado pelo pagamento de dívidas que crescem com as altíssimas taxas de juros que a atual política econômica exige. O superávit primário cobra um esforço grande - hoje se gasta mais com o pagamento de dívidas do que com setores estratégicos, como programas sociais ou de infra-estrutura, o que se agrava num país com os problemas como os do Brasil. Quem dera, porém, que o problema do Estado brasileiro se resumisse à questão dos juros. A nossa máquina pública é, historicamente, ineficiente, arcaica, de baixíssima produtividade e excessivamente grande. Muitos de seus setores se mostram desregulados, ou não cumprem o papel a que se prestam. Alguns de nossos gastos, como os em educação e segurança. são em valores brutos superiores a de muitos países desenvolvidos, sem se atingir, todavia, os mesmos resultados. Os gastos são mal feitos, gerando mal resultados. Isso desde áreas do Executivo até a Previdência Social. O próprio endividamento do Estado, sobre o qual pagamos os juros de que tanto se reclama, se deve a esse mau tratamento da coisa pública feito no passado. Uma reforma do Estado certamente o daria muito mais agilidade para atender às demandas que tem do que uma redução dos juros - que sacrificaria a política econômica e, logo, toda a sociedade. Mas mesmo os juros altos são conseqüência da irresponsabilidade dos nossos antepassados para com o Estado e para com a sua governabilidade no futuro que viria. Cabe a nós escolhermos entre fazer o mesmo que eles fizeram, ou buscar corrigir definitivamente os erros feitos para finalmente transformar o Estado em ferramenta econômica, e não mais num peso a ser carregado por toda a sociedade como é hoje.

E se crescimento econômico não é tudo, o papel dos juros sobre ele também não o é. As perspectivas de retorno sobre um investimento bruto realizado no Brasil são tão baixas que, nessa conjuntura, títulos ou outras aplicações financeiras serão sempre atrativas ao capitalista. E isso porque crescimento somente se realiza através de duas maneiras: aumento da capacidade produtiva - que depende, sim, do investimento inibido pelos juros altos - ou aumento da produtividade. Esta, por sua vez, precisa de melhorias tecnológicas e qualificação da mão-de-obra. Qualquer crescimento que aconteça sem atenção a esses pontos será "vôo da galinha", não interessam as circunstâncias. Não se pode esperar muito de um país onde, por exemplo, uma criança de 13 anos em idade escolar correta tem mais escolaridade que um trabalhador médio. Além disso, nossas instituições não permitem avanços econômicos e segurança ao investimento, como a nossa legislação trabalhista que nos tira competitividade, nossa legislação ambiental imprecisa, nossa má organização tributária, nossas agências reguladoras ineficazes etc. Poucas são as nossas instituições realmente organizadas de maneira pró-mercado. Portanto, dizer que o Brasil não cresce porque os juros são altos, parece uma simplificação grande demais para uma questão que abrange muitos outros aspectos.

O objetivo desse artigo foi mostrar que a atual política econômica gera, de fato, distorções, mas que muitas delas são conseqüências de uma política econômica adotada no passado parecida com a que se apresenta atualmente como alternativa. Além disso, tenta mostrar que a redução dos juros, embora tenha alguma importância, não é a questão central a ser buscada se o que se quer é uma política que vise crescimento sustentável e com impacto social positivo. Busquemos, portanto, resolver as questões mais relevantes que estruturam uma economia vigorosa e que ainda não estão consolidadas no Brasil, sem tentar pular etapas de desenvolvimento como fizemos um dia, e deixando de lado aquilo que somente tem impacto em última instância. Somente assim a última instância chegará logo.