quarta-feira, agosto 29, 2007

Em que Deus eu acredito?

Em mais uma madrugada insone, misturada ao frio entorpecedor que assola nosso Estado, lembrei de um desafio “bloguístico” repassado pelo Cão Uivador, e meu grande amigo, Rodrigo Cardia já há um tempo, sobre o qual havia pensado mas não transcrito, tampouco esclarecido, à pena. Trata-se da questão que titula essa crônica, formato que caracteriza tantos outros textos aqui postados, pois nada mais faço eu nessa página do que humildemente tentar responder a perguntas.

Objetivamente, sim, eu acredito em Deus. É um posicionamento político: nada mais contestador do que acreditar em Deus em pleno modernismo, em plena sociedade da razão. Porque hoje a moda é ser cético, ser agnóstico é fashion, e questionar a Bíblia dá respeito intelectual. Eu, então, como um neo-anarquista, contrário a tudo o que é consenso, acredito em Deus. É uma forma de resistência à cultura de massas. Afinal, como diz Rita Lee, hoje ser do contra é ser careta.

Fui educado numa tradição católica razoavelmente ortodoxa: fui batizado, fiz a primeira comunhão (e era um dos que mais assiduamente cumpria a obrigação de ir às missas de domingo), participava de novenas de natal, e até já fiz procissão para pagar promessa. Minha família, como toda a pretendente a estável, também é religiosa, se não nos compromissos, nos hábitos. Cumpre os dez mandamentos à risca, mesmo sem saber. Para ela, a novela das oito é uma coisa legal e a Madonna é uma depravada. Ou seja, uma família brasileira típica!

Mesmo assim, lembro de sempre ter tido a consciência de que a religião é uma historinha que se cria para explicar o mundo sob nossas concepções. E não digo isso em forma de crítica. É como o Lula que explica seu governo através do futebol. Se não fosse a metáfora, a interpretação de Deus pela hard science não conseguiria o apaziguamento de nossas angústias como a religião felizmente costuma fazer.

Sou um adepto da teoria do caos. Vejo Deus como um jogador de sinuca: ele dá a primeira tacada, e as bolas passam a se movimentar aleatoriamente pela mesa. É claro que a maneira de sua tacada, de alguma forma, tem influência sobre o movimento de todas as bolas, mas, depois dela realizada, elas simplesmente se movimentam por si, sofrendo influência umas das outras, mas não mais do jogador. Percebo um Deus pouco presente, e até pouco interessado, nas nossas coisas mundanas e mesquinhas, embora o reconheça como a origem, o impulso, o responsável pela direção de toda nossa existência.

Questões surgem dessa interpretação. A mais saliente talvez seja acerca de um destino, ou não, pré-determinado a todos nós. Será que as bolas têm capacidade de alterar seus próprios percursos ou estes estão rigidamente definidos pela tacada inicial? Não sei. Às vezes, por incrível que pareça a alguns, me é mais confortável acreditar em destino, pois me passa segurança, independentemente de qual seja o meu. Sermos os únicos responsáveis pelas nossas vidas é um peso muito grande a ser carregado.

Brinco que digo acreditar em Deus só para o caso de um dia, se candidato a presidente, ter alguma chance de me eleger. São os crentes que votam – nem todo mundo que acredita em Deus acredita na política, mas quem acredita na política acredita em qualquer coisa, até em Deus.

Bendita seja a tacada, amém.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Onde está todo mundo?

Sigo lendo a lendária obra de Kerouac, On the Road, com a não menos lendária tradução do Eduardo Bueno, antes que ela vire filme. Recém terminei a primeira parte, aquela em que Sal retorna à Nova York fatigado, à casa de sua tia, após esmolar por uma passagem de ônibus na Times Square. Vinha de uma, digamos, decepcionante estada em Los Angeles, depois de cruzar o país aos poucos, devagar, como quem despe uma mulher.

Tenho um problema grave: costumo me entregar à arte que aprecio. Serve para todas elas, de filmes a livros, se não músicas. Se leio Marx, por exemplo, viro marxista por duas semanas, até começar a esquecê-lo, e substituí-lo por outra coisa. Com On the Road se passa o mesmo: ando me sentindo preso em casa, com vontade de cortar o país com dez reais na carteira e uma mochila nas costas, nada mais, tomando cervejas e conversando com cada garota que encontro pelo caminho.

Na história de Kerouac, logo que Sal retorna à sua cidade, olha para os lados angustiadamente procurando seus amigos, como se eles necessariamente estivessem à sua volta, ali. Pergunta-se onde está todo mundo, mas não encontra ninguém. Ninguém está ali com ele, mesmo cercado pela multidão que já se impõe nas metrópoles dos anos 50.

Na cadeira de História Econômica Contemporânea, vi que, quando estourou a Grande Depressão dos anos 1930, a frota de automóveis dos EUA era maior que a do Brasil de hoje. Somos, então, a América de meio século atrás, a América de Kerouac: sedenta por pôr o pé na estrada, por conhecer a si própria.

Mas, enquanto isso, estamos sós. Cercados por pessoas, mas solitários em nossos objetivos, em nossos planos, na nossa ausência de ideais. Onde estarão os mochileiros que descobrem o mundo com suas irresponsabilidades, com seus poucos centavos no bolso e sua simples vontade de descobrir a vida?

Parece que cruzamos o país enfrentando a fome, o trabalho nas plantações de algodão, a chuva e o deserto. Chegamos em casa, mas não encontramos ninguém.

quarta-feira, agosto 22, 2007

A menina que veio de longe

Há poucos dias, conheci uma menina que veio de longe, muito longe. Pra lá de onde os navios desaparecem, onde o sol nasce e se põe antes, onde os dias passam primeiro. Como é bom tê-la perto de mim, mesmo que por pouco tempo, por um tempo limitado. O mesmo tempo que lá, de onde ela veio, passa antes, como sua vida e a de seus conterrâneos, mais sortudos que eu, que com ela poderão mais tempo conviver. O mesmo tempo que lá passa antes.

Essa menina veio de muito longe com suas formas e gestos estranhamente belos para mim: Seu cabelo unicamente penteado, que circula suas orelhas, que, por sua vez, sustentam grandes brincos que visam tornar a silhueta de sua face ainda mais linda, como se isso fosse possível. E grande é o esforço que se faz para notar esses detalhes, pois seus olhos claros e lábios grossos atraem nossa atenção como um buraco negro que até a luz do universo prende em si. Seu corpo é de formas simples, cobertas por um mistério que desejamos desvendar em nossas madrugadas insones. Quantas cores têm! Todas talvez, perfeitamente combinadas, ali, numa pessoa só.

Será que no lugar de onde ela veio – longe, muito longe – a vida é bela como ela? Não... Não deve ser. A vida tende a ser igual em todos os lugares, independentemente do tempo passar antes ou depois. As melancolias das tardes chuvosas são atemporais e cidadãs do mundo. A não ser que não tratemos de um lugar físico, geográfico, mas de um lugar que imaginamos, que criamos em nossa cabeça, tão misterioso quanto essa menina que veio de longe, muito longe.

Porque ela pode não ser simplesmente uma pessoa especial, mas a personificação do que acredito inexistente, do que acredito impossível. É o que penso toda vez em que a vejo ir embora, após ouvir os seus “até logos” que se acumularão até uma despedida inevitável. E ela então partirá de volta à sua terra, e desaparecerá como os navios, a partir de quando eu poderei compartilhar com ela somente as tardes chuvosas.

Enquanto isso, ela segue aqui, ao meu lado, até o verão, quando rumará a climas menos hostis, como um pássaro que se vai e deixa o ninho desolado. E eu, sobre seus olhos claros e lábios grossos. Perto, sei, mas ao mesmo tempo, que lá passa antes, longe, muito longe.

quarta-feira, agosto 01, 2007

De volta, em tabletes...

Tirei meu anunciado tempo de férias. Mais tempo do que o anunciado, aliás. Estou voltando aos poucos, sem muita freqüência ainda, pois, depois que deixei a universidade, não tenho mais acesso irrestrito à internet. Nada sério, pouco a pouco vou me restabelecendo. Os Pensamentos do Mal, claro, continuam, embora menos expressados nos últimos dias.

E foi só eu me distrair para esse país virar de ponta cabeça! Não que seu equilíbrio dependa de mim (de maneira nenhuma), mas, exatamente quando eu quis aliviar a mente em momentos de tranqüilidade, as coisas passaram a acontecer. Foram tantas que um tipo de mídia como o blog teve que contar com a grande disposição e o árduo trabalho de seus escritores - o que, todavia, não ocorreu com este que vos escreve.

Em respeito aos meus colegas blogueiros, portanto, não tratarei de nenhuma dessas coisas importantes: acidente da TAM, corrupção na Assembléia gaúcha, Renan Calheiros etc. Só solicito, humildemente, que os culpados por tudo isso sejam presos. E que esse nosso governo irresponsável assuma, enfim, suas responsabilidades, porque pôr a culpa em deus ou na história é covardia.

Eu devo estar de mau humor mesmo. Essas pequenas férias não me acalmaram como pensei que iriam. Por exemplo, não suporto mais a voz do Lula. Não suporto mais nada nele! De um tempo para cá, comecei a reparar como ele fala errado, e o tempo todo! Não sei se ele que passou a falar assim, ou se eu que passei a reparar. E seus vícios, então? “Nesse país”, “ou seja”, “pobrema”, suas comparações com coisas bestas, e suas gesticulações com os dedos polegar e o indicador juntos. Que coisas irritantes!

Mas o Lula ainda é um ser abstrato: fica lá, na TV. Pior é quando começo a me aborrecer com as coisas que me cercam. Se isso acontece? Às vezes. Menos grave, é verdade. Pelo menos até o momento, não tenho vontade de espancar ninguém ao meu redor. Já o Lula...

Mas acabei falando, indiretamente, daquilo que não queria. Peço desculpas aos meus amigos. Sim, obrigado, já respirei fundo.

Está dado o sinal de vida. Por mais um tempo, como disse, continuarei pouco constante nessa página, enquanto minha conexão com o mundo não se restaurar. Nas oportunidades existentes até lá, algumas palavras, por poucas que sejam.