quarta-feira, dezembro 20, 2006

Salvos pelo Gongo

Ontem, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou o aumento de 91% dos salários de deputados e senadores. Era inconstitucional, seja lá o que isso signifique. A decisão ocorreu do julgamento de um mandato de segurança proposto pelos deputados Fernando Gabeira (PV), Carlos Sampaio (PSDB) e Raul Jungmann (PPS). Hoje, portanto, os congressistas devem decidir um novo percentual de reajuste a ser avaliado, devendo este ficar em 28, 4%, equivalente à inflação dos últimos quatro anos, desde quando não houve outros. Percentual ainda generoso, diga-se de passagem. O deputado Ciro Nogueira (PP), vice-presidente da Câmara, reclamou da decisão do STF, dizendo que o reajuste nas carreiras do Judiciário custará R$ 5 bilhões aos cofres públicos, mas que isso não repercute na sociedade. Ele está certo.

E na segunda-feira, enquanto o babaca do presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PC do B), ao afirmar que não havia a intenção de recuar da decisão de reajustar os salários dos congressistas em 91%, ainda aproveitava para anunciar a renovação da frota oficial de automóveis da Casa, alguns solitários e honrosos protestos contra essa vergonha se iniciavam pelo país, todos dignos de saudações nessa terra de conservadores subnutridos, por serem os verdadeiros responsáveis pela decisão de caráter político do STF. Entre eles, estão:

A manifestação das esposas de militares, que estenderam uma faixa preta sobre a rampa do Congresso exigindo o mesmo aumento para os salários de seus maridos;

A passeata promovida pela Força Sindical e a coleta de assinaturas contra o reajuste, à qual todos nós podemos nos juntar pelo e-mail aumentoabusivo@cutsp.org.br, junto com uma manifestação no gramado do Congresso, com bonecos gigantes e uma alegoria que dizia “Produto brasileiro. Indicado: Parlamentares caras-de-pau”, realizadas pela CUT;

O protesto realizado por acadêmicos da Universidade de Brasília (UnB) que, com rostos pintados e narizes de palhaço, pediam o fechamento do Congresso;

A manifestação do aposentado William Carvalho, um grande brasileiro de 61 anos que se acorrentou a uma coluna do prédio do Senado;

E o ato de Rita de Cássia de Souza, outra grande brasileira, desempregada, 45 anos, que viajou de Ipiau, no interior da Bahia, para Salvador a fim de esfaquear o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL), tendo como um dos argumentos a sua indignação com o aumento salarial dos parlamentares. Rita, é claro, agora está na cadeia (ela é mulher, negra e pobre). Onde estão os mensaleiros e sanguessugas? Recebendo 91% de aumento.


Num trecho do último texto que escrevi nesse blog, disse que o termo “(in)constitucional” era utilizado por autoridades, geralmente do Judiciário, para justificar decisões arbitrárias que se aplicam a uns, e não a outros. No Correio do Povo de ontem, Érico Correa, presidente do Sindicaixa, publicou uma coluna titulada “Cumprir a Constituição!”, que vai nesse sentido. Disse ele:
“O principal argumento dos representantes sindicais de juizes, promotores e outros bem-abençoados servidores públicos do Estado para seus reajustes salariais é o simples cumprimento do artigo 37, inciso X da Constituição federal. Esse item assegura a revisão anual dos vencimentos, sempre na mesma data e sem distinção de índices. É impressionante ver a força dos sindicalistas que representam essas coorporações, especialmente a dos juizes, que apelam para esse dispositivo constitucional para o atendimento de suas reivindicações.

Causam grande impacto ao conjunto dos servidores públicos – da educação, da segurança, da saúde, do Quadro Geral, entre outros – esses reajustes. Nós nos sentimos humilhados, ultrajados em nossa dignidade profissional. Não é possível aceitar que expressões como ‘sensibilização’ ou ‘reivindicação justa’, entre outras, sejam fartamente usadas por deputados para justificar esse absurdo aumento concedido somente para uma parcela dos servidores, justamente aquela parcela que ganha muito bem, obrigado.

Causa repulsa e espanto ao conjunto dos trabalhadores do serviço público quando informamos que as ações judiciais impetradas por nós, exigindo o cumprimento desse mesmo dispositivo constitucional, são derrotadas dentro do poder Judiciário, sob argumentação frágil e com fundamentação mais política do que jurídica. Ora, como podem aqueles que reivindicam esse artigo da lei para si negá-lo aos demais? (...)”

Falando nisso, o salário mínimo deve subir de R$ 350, 00 para R$ 375, 00, um aumento equivalente a 7, 14%. O Ministério da Fazenda quer que o aumento seja para R$ 367, 00, ou seja, de 4, 86%. A razão? Conter gastos públicos.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Socorro, MLST!

Foi chocante. Acordei sexta-feira de manhã, desci até as caixas de correio no térreo do prédio onde moro, com a cara ainda amassada pelo sono, peguei o jornal e lá estava: “Salário de senador e deputado sobe 91%.” Pisquei os olhos várias vezes: 91%!

O dia, de fato, não tinha começado bem. Li o jornal rapidamente, com a testa enrugada, e saí rapidamente de casa, naquele calor infernal que tem aterrorizado Porto Alegre nesses últimos dias. Fui para a faculdade, e até o fim do dia de ontem, até na televisão, nos programas mais sérios, o assunto era tratado, com direito a jornalistas mais exaltados. Se a coisa já andava ruim na política brasileira, esse acontecimento foi, como costumo dizer, o fim da picada.

Se você, leitor, não sabe do que estou falando, saiba que você é um idiota, e é por causa de pessoas assim que o país está nessa merda. De qualquer forma, para você, idiota, vou explicar a história. É mais ou menos assim: Na quinta-feira, os presidentes do Congresso Nacional – Aldo Rebelo (PC do B), da Câmara, e Renan Calheiros (PMDB), do Senado – junto com líderes partidários, fecharam um acordo para que seus próprios salários tivessem um aumento de 91%, passando de R$ 12 847,20 para R$ 24 500,00. Isso mesmo, prezado idiota: os nossos queridos congressistas, tão eficientes e honestos, aumentaram seus salários em 91%, para R$ 24 500, 00, na nossa cara! Eles deram uma explicação, é claro: o objetivo foi equiparar seus vencimentos aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), outro bando de filhos da puta, coorporativistas, que, na semana retrasada, também aumentaram seus próprios salários. A proposta inicial que estava no Congresso era de reajustar os salários dos parlamentares em 28, 4%, o equivalente à inflação dos últimos quatro anos, a partir de quando não houve mais aumentos. A proposta, é óbvio, foi rejeitada. “Ora, reajustar salário conforme a inflação é para trabalhador otário!”
A proposta de igualar os vencimentos dos deputados e senadores aos dos ministros do STF já estava aprovada desde 2002, mas ainda não havia entrado em vigor devido ao medo da repercussão negativa que tal medida teria. Agora, no entanto, transcorridas as eleições, esse medo simplesmente passou. Eles conhecem bem aquela história de que “o povo não tem memória”. Eu também. Ainda assim, vou cumprir meu papel de cidadão e citar os nomes de todos os congressistas que votaram a favor do reajuste. São eles:
Aldo Rebelo (PC do B-SP)
Renan Calheiros (PMDB-AL)
Ciro Nogueira (PP-PI)
Jorge Alberto (PMDB-SE)
Luciano Castro (PL-RR)
José Múcio (PTB-PE)
Wilson Santiago (PMDB-PB)
Miro Teixeira (PDT-RJ)
Sandra Rosado (PSB-RN)
Coubert Martins (PPS-BA)
Bismarck Maia (PSDB-CE)
Rodrigo Maia (PFL-RJ)
José Carlos Aleluia (PFL-BA)
Sandro Mabel (PL-GO)
Givaldo Carimbão (PSB-AL)
Arlindo Chinaglia (PT-SP)
Inácio Arruda (PC do B-CE)
Carlos Willian (PTC-MG)
Mário Heringer (PDT-MG)
Inocêncio Oliveira (PL-PE)
Demóstenes Torres (PFL-GO)
Efraim Moraes (PFL-PB)
Tião Viana (PT-AC)
Ney Suassuna (PMDB-PB)
Benedito de Lira (PL-AL)
Ideli Salvatti (PT-SC)
Apenas três líderes votaram contra a proposta: na Câmara, o do PT, Henrique Fontana, que defendeu a reposição conforme a inflação; e o do PSOL, Chico Alencar, que votou contra qualquer tipo de reajuste; e no Senado, também do PSOL, Heloísa Helena, que, como seu colega na Câmara, votou contra qualquer tipo de aumento salarial dos congressistas.

Vale ressaltar que desde janeiro desse ano, o Congresso já consumiu R$ 4 598 bilhões do orçamento do Governo, mais do que a soma dos orçamentos de cinco ministérios (Cidades, Esporte, Turismo, Cultura e Comunicações), equivalente a R$ 3 789 bilhões, sendo a maior parte de suas despesas realizadas para pagar os salários. O reajuste de 91% aos parlamentares deverá, como de costume, ser repassado aos servidores do Congresso, o que já foi reinvidicado pelo sindicato da categoria. E, só para lembrar, o reajuste de 91% será usufruído também por congressistas acusados de corrupção no escândalo do mensalão, que renunciaram a seus mandatos na época e foram reeleitos para um próximo, a partir do próximo ano. Os canalhas são Roberto Jefferson (PTB), José Borba (PMDB) e Pedro Correa (PP).

Bem, mas para piorar a situação, o reajuste salarial dos nossos congressistas pode gerar um efeito cascata que amplia muito mais os males dessa medida. Isso porque as Assembléias Legislativas têm os salários de seus deputados estaduais indexados aos dos federais em até 75%, o que fará com que, graças ao aumento generoso dos últimos, os primeiros também recebam essa graça automaticamente. Assim, no RS, por exemplo, os 55 deputados estaduais deverão ter seus vencimentos aumentados de R$ 9 500, 00 para R$ 18 300, 00. Se isso ocorrer, sobem daí os salários dos vereadores, que, por sua vez, têm seus salários indexados ao dos deputados estaduais (os de Porto Alegre, por exemplo, que recebem atualmente R$ 7 100, 00, passarão a receber R$ 13 800, 00). No total, juntando os três níveis de governo, as despesas aos cofres públicos podem chegar, somente em aumentos salariais aos legisladores, a R$ 1, 66 bilhão.

Nessa semana que se inicia, um grupo de parlamentares deve entrar com ações na Justiça tentando impedir o reajuste, alegando que decisões desse tipo devem ser votadas em plenário. Esses congressistas são Fernando Gabeira (PV), Luiza Erundina (PSB), Chico Alencar (PSOL), Eduardo Suplicy (PT), Cristovam Buarque (PDT) e Raul Jungmann (PPS). A idéia desses congressistas é levar a proposta de reajuste à votação e, assim, derruba-la. O deputado Fernando Gabeira (PV) lembrou que a tática utilizada pelas mesas do Congresso e pelos líderes partidários lembra a que foi usada para a promulgação do AI-5 em 1968, durante a Ditadura Militar, efetuada perto das festas de fim de ano para se aproveitar da dispersão da população.

A cereja do bolo foi anunciada pela edição de ontem da Folha de São Paulo, que diz que os parlamentares devem requerer nas próximas semanas reformas nos prédios do Congresso Nacional, incluindo reforma nos gabinetes e nos apartamentos funcionais (estes, que os congressistas nunca usam, porque preferem alugar apartamentos com o dinheiro que recebem do auxílio-moradia), a construção de uma biblioteca, a de 71 banheiros e, acredite leitor, a de um minishopping. As obras estão orçadas em R$ 110 milhões, tudo do dinheiro público.

Mas voltando ao assunto, com a indexação dos salários dos parlamentares ao dos ministros do STF, os primeiros não mais precisarão reajustar seus vencimentos e, por assim dizer, se estressarem com a opinião pública. Isso porque, dessa forma, toda a vez em que os ministros do STF aumentarem seus salários, o dos parlamentares aumenta junto. Que maravilha, né? Como os Ministros do STF são cerca de uma dezena de juizes que mandam e desmandam no país, e que cagam sobre o que pensa o povo – afinal, os membros do Judiciário não são eleitos como os dos demais poderes e às vezes, corretamente, mandam mais que o Legislativo, numa espécie de conselho divino – aumentam seus salários quando e como querem, sem sofrerem pressão nenhuma da sociedade. Isso foi uma forma dos nossos congressistas, no momento em que seus salários aumentarem de novo, dizerem para a opinião pública: “Mas não fomos nós que aumentamos os salários, foi o STF. O nosso aumentou porque está indexado. É constitucional”.

Eu odeio o termo “(in)constitucional”. Para mim, “(in)constitucional” significa toda a decisão arbitrária tomada por alguma autoridade (geralmente do Judiciário), completamente contra o bom senso, que é mais forte que qualquer outra decisão, e que ninguém consegue entender. Por exemplo: semana retrasada, a cláusula de barreira, uma das melhores iniciativas tomadas para aperfeiçoar nosso sistema político, foi derrubada. A razão? Era “inconstitucional”. Algum da meia dúzia de juizes do STF interpretou a Constituição, como quem interpreta Nostradamus e encontra o que quiser com um pouco de esforço, e simplesmente achou que a cláusula de barreira era inconstitucional. Foda-se a decisão do Congresso Nacional! Um desses juízes tem mais poder que o Parlamento, simplesmente argumentando que é “inconstitucional”. Mas afinal, você, leitor, entendeu por que é “inconstitucional”? Nem eu.

Que fique claro que não sou contra a Constituição ou que os poderes da República estejam sujeitos a ela. Pelo contrário, o que sou contra é que a Constituição se aplique a alguns e não a todos. Afinal, o salário mínimo também é amparado pela Constituição, onde diz que este tem que atender às necessidades básicas do cidadão, de educação, saúde e lazer, e isso nunca é cumprido. Por que o STF não exige isso do Governo? Por que o argumento “constitucional” vale para seus próprios salários e para o dos congressistas e não vale para o salário mínimo?

No dia 03 de agosto, escrevi um texto nesse blog titulado Cara do Brasil, onde expressei minha surpresa em relação à reação que as pessoas tiveram à invasão do Congresso Nacional por parte de integrantes do MLST, na época. Tentava mostrar que a revolta surgida era uma hipocrisia, pois o Legislativo estava, e ainda está, completamente corrompido, sem legitimidade nenhuma da sociedade e, logo, sem cumprir suas funções no estado de direito. Contra isso, no entanto, ninguém se revoltou, mas a invasão do Congresso era “um absurdo, um vandalismo, um ataque à democracia” e outras tantas bobagens que ouvimos. Quero saber como nós, brasileiros, agora, vamos reagir a essa verdadeira cusparada na nossa cara, à falta total de respeito pelo povo que foi esse aumento de 91% dos salários dos deputados e senadores, idealizado por esse mesmo Congresso antes tão defendido contra a “barbárie dos movimentos sociais”.

O reajuste do salário mínimo vem aí.

quinta-feira, dezembro 07, 2006

Auto-Descrição*

Sou conseqüência do ódio e considerado um filho de Arimã – um filho fiel, diga-se de passagem. Cresci sozinho, sem pai, nem mãe, nem nada para chamar de família. Ao contrário dos mortais, talvez por eu ser imortal, nasci sabendo, ou melhor, fui criado. O Homem me criou, da mesma forma que Deus criou o Homem. E estou destruindo o Homem, da mesma forma que o Homem está destruindo Deus.

Utilizo como justificativa para os meus atos a miséria, a desigualdade, o preconceito, embora seja eu realmente fruto da maldade, do orgulho, da cólera, ou ainda, em alguns casos, da estupidez. A ignorância – que forma gangues, modas, gírias e atos – conduz involuntariamente um exército de humanos ao meu favor. Como já se disse, “para que os maus prevaleçam, basta que os bons não façam nada”.

Hoje, já sou um homem, ou melhor, uma divindade. Uma divindade que é venerada por todos, até por aqueles que me condenam, pois acreditam que a única maneira de me destruírem é utilizando os meus próprios poderes contra mim.

Idiotas! Será que não percebem que sou reflexo de suas próprias consciências, de seus próprios filhos, de seu próprio mundo? Um mundo que se revolta por não possuir espaço suficiente para expandir todos os seus graus de independência? E sem independência, “o Homem não tem honra, e sem a sua honra, o Homem mata, o Homem morre”.

Posso ser a origem da vida, como as contrações de um parto, ou o fim dela, como uma bala perdida. Não destruo a todos porque, caso isso aconteça, minha imortalidade deixa de existir, destruindo isso a mim mesmo. Mas não sou tão imbecil quanto vós: sei que a vida me convém, e faço questão de que ela exista.

A minha idade? O que importa? Sou eu quem a decido. O meu nome? Violência.
*Redação apresentada como trabalho de escola em 2000.