sábado, setembro 30, 2006

Manifesto de Repúdio

No dia das eleições, isso é um manifesto de repúdio.

Repúdio a tudo que representa o atraso, a manutenção das coisas, dos fatos, das situações. Repúdio à hipocrisia.

Repúdio às próprias eleições desse fim de semana, que nos levam às urnas a fim de nos fazer legitimar esse processo completamente superado, e querer repassar ao eleitor a responsabilidade pelo caos social e institucional em que estamos metidos.

Repúdio ao Governo, que ainda se considera capaz de liderar um processo de desenvolvimento sem entender que este é de caráter social, envolvendo a sociedade enquanto fim e não enquanto ferramenta.

Repúdio às elites nacionais, que acham que sabem o que é bom para o povo.

Repúdio ao povo, que também acha que existe uma elite que sabe o que é bom para ele.

Repúdio à desigualdade social, que é a característica principal da nossa sociedade, geradora de seus principais problemas, mas que por ela é conservada e almejada como uma cicatriz de que nos orgulhamos.

Repúdio ao PT, que não reconhece o mar de corrupção em que navega e em que pôs o país, negando suas propostas progressistas e ao querer fazer da ineficácia da nossa democracia um mérito seu.

Repúdio ao PSDB, que tenta construir uma experiência futura negando as suas passadas, ao ser incompetente na tentativa de mostrar ao país sua situação, e ao fazer parte do jogo político que tanto critica, como se fôssemos idiotas e não soubéssemos disso.

Repúdio ao PMDB, que se prostitui em nome do poder ao ser um dos partidos mais fáceis de se comprar. Que não representa alternativa alguma, sendo somente mais um a sustentar os coorporativismos que acabam com a nossa máquina pública.

Repúdio ao PFL e ao PP, que mantém oligarquias inteiras no país, como no Nordeste e aqui, no RS, dando voz ao que existe de mais podre na nossa sociedade, ao que significa o atraso e o privilégio em cima da manutenção das desigualdades.

Repúdio ao PSOL, PSTU, PCO e outros tantos partidecos, sustentados por uma base que também zela pelo coorporativismo, que se infiltram nos movimentos sociais, sindicais e estudantis, os partidarizando e os destruindo graças a brigas entre si, cuja importância é completamente nula para o amadurecimento político.

Repúdio ao empresariado nacional, que reclama do Estado quando este lhe cobra impostos, mas é o primeiro a exigir dele proteções e incentivos, assim como seguros, garantias e outros formas de defender o seu patrimônio, escancarando sua mesquinharia irresponsável para com o país.

Repúdio às igrejas, todas elas, que se instalam na nossa formação social, se não como hábitos, como idéias, fazendo de nós um bando de conservadores subnutridos, que não sabemos nem sequer o que queremos conservar.

Repúdio à família brasileira, que se constitui no princípio de todas as nossas demais instituições e que zela pela preservação do paternalismo, do machismo, do racismo e de todas as relações de submissão em que vivemos.

Repúdio aos nossos setores ditos liberais, que deixam de lado os fundamentos da formação do nosso país em nome de bandeiras caricaturadas de seus reais idéias, como se legalizar a maconha fosse sinônimo de modernidade.

Repúdio a todos os consensos que nos rodeiam, e que se infiltram na nossa interpretação acerca da realidade, não nos fazendo perceber a insensatez da nossa constituição social e o quão ela deveria ser diferente.

E um repúdio a nós, brasileiros, e à nossa incapacidade de se revoltar, à nossa aceitação das injustiças e absurdos sociais e políticos como coisas normais. À nossa acomodação como se nada nos interferisse, à nossa irresponsabilidade com o futuro, ao nosso egoísmo enquanto povo. À nossa preguiça social.

Isso é um manifesto de repúdio.

quinta-feira, setembro 28, 2006

Eficiência e Competitividade

Eficiência e competitividade andam juntas. Enquanto no texto anterior, fiz uma pequena abordagem sob uma perspectiva teórica acerca da eficiência, aqui seguirei de certa forma no mesmo tema, mas de um ponto de vista mais empírico.

Ontem, foi anunciado na imprensa o resultado do Índice de Competitividade Global 2006-2007, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial (FEM). Num ranking, como é de se esperar, o Brasil caiu vergonhosamente da 57a para 66a posição num total de 125 países, sendo essa a nossa sexta queda consecutiva, perdendo 29 posições desde 2001.

Ficamos atrás de países emergentes importantes, como Índia(43ª), África do Sul(45ª), China(54ª), México(58ª) e Rússia(62ª). A Argentina se encontra três posições atrás do Brasil, na 69ª.

As causas do mau desempenho brasileiro não são novidades para os observadores atentos das reais causas do marasmo econômico verde-amarelo. Segundo o relatório do FEM, o Brasil vem sendo prejudicado por dois fatores dos nove que compõem o índice: o macroeconômico e o institucional. Nesses pontos, e aqui se enfatiza ainda mais as idéias que expus no texto anterior, é dado destaque à questão do grande endividamento público e, de acordo com os próprios termos utilizados pelo relatório, à “predominância da corrupção” no país.

E para que não se confunda tamanho com eficiência do Estado, como muitos o fazem, vê-se que países onde a participação do governo na vida econômica é tradicionalmente grande, vigorando ainda os pilares do estado de bem-estar social, ocupam as primeiras posições do ranking, como a Finlândia, a Suécia e a Dinamarca, que se encontram entre os cindo países mais competitivos do mundo, na frente dos EUA, Japão, Alemanha, Holanda e Reino Unido. A própria Suíça, que se encontra na 1ª posição, é considerada um país de grau considerável de protecionismo.

São dados como esses que nos fazem refletir ainda mais acerca da influência do governo no nosso desenvolvimento nacional, num momento em que a crise do setor público brasileiro se mostra maior que nunca e se transfere a toda a economia, nos induzindo muitas vezes a aceitar idéias simplistas e despojadas de rigor teórico e prático.

sexta-feira, setembro 15, 2006

Origens e Causas das Ineficiências do Estado Brasileiro*

A questão da ineficiência do Estado brasileiro é um dos temas em maior evidência atualmente no país. O endividamento público, a má qualidade dos serviços prestados pelo Estado e os recentes casos de corrupção destacaram ainda mais esse assunto nos mais diversos setores da nossa sociedade. O papel do Estado passou a ser visto no Brasil por uma ótica diferente da existente até o início da década de 1980: não mais como o condutor do desenvolvimento econômico, mas como um obstáculo a este. O afunilamento desse debate na questão da eficiência com que o Estado brasileiro exerce suas funções e promove suas políticas enaltece o caráter endógeno que tal discussão tem em relação ao setor público.

É interessante inicialmente entendermos do que estamos tratando como eficiência. Na teoria econômica, entende-se por eficiência qualquer situação decorrente da interação entre agentes em que o bem-estar de um não pode ser melhorado sem a piora do bem-estar de um outro. Essa idéia nos é trazida pelo conceito de eficiência de Pareto, numa referência ao economista e sociólogo italiano Vilfredo Pareto (1848-1923), que inicialmente estudou o conceito de eficiência. Esse conceito implica que, numa situação de eficiência, não há como fazer com que todos os agentes envolvidos melhorem seus bem-estares numa mesma interação, ou, noutras palavras, que não há como fazer com que o bem-estar de um agente melhore sem piorar o bem-estar de outro. Quando tratamos, portanto, da ineficiência do Estado brasileiro, estamos afirmando que seria possível a ele atuar de forma a melhorar o bem-estar de determinado grupo de agentes sem piorar o bem-estar de outro, ou, de uma forma mais ampla, melhorar o bem-estar de todos os agentes. O Estado brasileiro é ineficiente, logo, porque, embora possa melhorar o bem-estar da sociedade como um todo, não o faz.

A teoria econômica nos diz que a eficiência é obtida através de transações no mercado, ao se exaurirem todos os ganhos de troca num modelo estático. Ao Estado, a eficiência requer outros mecanismos de alcance, pois a ele cabe, em tese, o fornecimento de bens e serviços que não podem ser transacionados no mercado, os chamados Bens Públicos. Esse tipo de bem se caracteriza por ter que ser fornecido numa mesma quantidade para todos os agentes consumidores, haja vista que nenhum agente pode ser excluído de seu consumo. Um exemplo típico de bem público é o serviço de segurança nacional ou o calçamento das ruas, que é fornecido a todos os consumidores indiscriminadamente (não é possível ser prestado o serviço de segurança nacional a somente um grupo de consumidores, excluindo-se outro). Inexiste, portanto, uma relação entre oferta e demanda, impedindo que esses serviços tenham seus preços definidos pelo mercado. Estes, então, são fornecidos pelo Estado a todos os agentes, de quem cobra mesmos preços por não ser possível verificar suas diferentes preferências reveladas. A prestação desses serviços é, logo, por definição, ineficiente, pois cobra dos agentes um preço que não equivale às diversas utilidades marginais que tais serviços lhes proporcionam. Há também o problema da existência do agente free-rider, que, por não poder ser excluído do consumo de um bem público, é incentivado a fazê-lo sem pagar por seu fornecimento – uma pessoa que sonega impostos, por exemplo, continua usufruindo a segurança nacional e o calçamento das ruas. Na realidade, porém, o Estado não é fornecedor somente de bens públicos stricto sensus, ao forcecer serviços de educação, saúde, rodovias etc, além de existir uma grande gama de empresas estatais que nem sempre determinam suas políticas pelas regras de mercado. O objetivo de ações como essas é fazer com que as externalidades positivas geradas pelo fornecimento desses bens/serviços pelo Estado sejam maiores que as perdas com eficiência.

Ademais, o crescimento das funções do Estado a partir da ascensão do Keynesianismo fez elevar os gastos públicos, elevando também, no entanto, os desperdícios de recursos públicos e a corrupção. A idéia de que a excessiva intervenção do Estado no mercado gera perda de bem-estar foi enfatizada a partir dos anos 1980, com a teoria conhecida na literatura como rent-seeking. Esse conceito trata do fato de que, com a perda de eficiência e a corrupção provocada pela intervenção do Estado na economia, haveria o privilégio de determinados grupos sociais em detrimento do conjunto da sociedade. Rent-seeking é toda a ação feita por determinado indivíduo em busca de renda econômica no detrimento do bem-estar-social. Essa atividade ganha importância à medida que o Estado se torna mais burocrático, ao permitir privilégios a determinado grupo social através da instituição de monopólios, licenças, quotas, concessões, franquias etc.

O Estado brasileiro não poderia ser diferente no que se refere à sua submissão aos problemas citados. No nosso país, porém, esses problemas talvez sejam mais atuantes por ter sido o Estado, aqui, o principal promotor do desenvolvimento econômico no último século. A ineficiência do Estado no Brasil se evidencia pela alta carga tributária cobrada da sociedade, de caráter regressivo, em comparação com os serviços públicos prestados, aquém das necessidades da população e também de caráter regressivo. Uma das críticas feitas a essa ineficiência diz que, cobrando da sociedade menos que cobra hoje, o Estado seria capaz de prestar serviços de qualidade semelhante, deixando mais renda nas mãos das famílias e empresas que, através do mercado, a alocariam de maneira mais eficiente. Essa crítica é maior sobre a atuação do Estado no fornecimento de bens, no rigor teórico, não-públicos, como os de saúde e educação, além de questões de infra-estrutura e do próprio custeamento da máquina pública. Além disso, o elevado tamanho do Estado brasileiro é apontado como causa da permissividade que tem para com a corrupção de suas instituições, o que implica diretamente na ineficiência de suas ações. Por fim, o grande poder de atuação que tem o Estado brasileiro torna conseqüentemente mais poderosa a força que grupos coorporativistas têm sobre ele, o que é inerente à política e à democracia, conduzindo, no entanto, as ações do Estado no interesse desses grupos em detrimento do bem-estar da sociedade como um todo – o que se torna mais forte aqui pelo fato de que, como se disse, no Brasil o Estado ter tido mais importância no processo de desenvolvimento que noutros países. Particularmente ao caso brasileiro, caberia ressaltar também a incompetência do Estado enquanto promotor do ambiente institucional que favoreça a atuação do mercado, que significa na prática a transferência de sua ineficiência ao setor privado e o prejuízo de eficiência em toda a economia.
A questão da eficiência do Estado no Brasil tem um caráter histórico de cujo enfrentamento se mostra complexo e árduo. Não se trata somente de alterações na estrutura de funcionamento do Estado, mas na concepção que a sociedade tem acerca de sua atribuição, alcançando a solução desse tema um caráter que extrapola a área de atuação da Ciência Econômica. A esta, cabe o papel de apontar às possibilidades de contorno da ineficiência estatal conforme o embasamento teórico sugere, objetivando que essa retórica anteceda a inviabilidade econômica no convencimento das forças políticas a adotá-las.
*Artigo apresentado ao curso de Política e Planejamento Econômico da Faculdade de Ciências Econômicas/UFRGS, em 2006/02.