quarta-feira, abril 11, 2007

Onde estará Marcela?

Finalmente recebi críticas pelo que escrevo aqui. Já estava ficando preocupado. Falo mal da esquerda ao defender o aumento da repressão ao crime, escrevo textos intimistas ao estilo blog de guria, critico o PAC com um viés conservador e mantenho total silêncio em relação ao governo Yeda, e ninguém falava nada. A audiência dessa página é tão baixa que eu já estava pensando em tratar da vitória do Alemão no Big Brother, do aquecimento global ou do milésimo gol do Romário. Um surto de comentários (dois, mais precisamente), no entanto, me mantiveram na linha, e indutivamente colaboraram com minha tese precursora acerca do tédio juvenil em que vivemos.

Aliás, li nesse último fim de semana, enquanto esperava o coelhinho, Até o dia em que o cão morreu, de Daniel Galera. A história que me levou ao livro é meio longa, ao contrário da do livro, que é curtíssima – contada em cerca de 95 páginas, podendo ser lida numa cagada, como diz meu amigo Vinícius Cardia. Mas a primeira também é interessante: Fiquei sabendo do livro através de uma reportagem da Carta Capital, e imediatamente recorri aos meus amigos mais letrados em busca da obra. Muitos conheciam o autor, mas o livro, não teve jeito, tive que comprar. O que despertou tamanho interesse em mim foi o fato de poucas vezes ter me identificado tanto com um personagem como agora: o protagonista da história é um jovem de cerca de 25 anos, formado em Letras, sem emprego fixo, que mora sozinho num apartamento no Centro de Porto Alegre, contando com o auxílio financeiro dos pais, e que gasta seu tempo melancolicamente olhando pela janela, caminhando pelas redondezas e tomando cerveja. Ajustando um detalhezinho ou outro, é de mim que o livro trata. Até as características de suas visitas à casa paterna e da pilha de livros num canto do quarto são iguais. Pus na cabeça que precisava saber o final dessa história, comprei o livro e o devorei.

Esse trabalho de Galera trata exatamente do tédio. Não daqueles que nos acometem nas tardes de domingo, de inverno e chuvosas. Trata-se da descrição micro de um sentimento mais amplo, que atinge os jovens dos dias de hoje. Isso já foi tratado aqui, inclusive nos tais textos intimistas. Com Galera, virou livro, que do ponto de vista literário não apresentou, pelo menos a mim, grande valor – é daqueles que avacalham o português achando que estão inovando na linguagem, ao escrever diálogos sem travessões ou aspas, ou ao escrever “tou” no lugar de “estou”, por exemplo – mas me ganhou no enredo. É a nossa falta de tesão, de rumos, de fé que é discutida, sem caricaturas e com sutileza.

A obra tem trechos interessantes que descrevem esse tédio contemporâneo. Num deles, o personagem apresenta a realidade em que está, ao afirmar que poderia tocar seus projetos, procurar um emprego mais estável, que teria condições para isso, se não fosse sua completa falta de vontade. Ou seja, a mediocridade o satisfazia, pois lhe faltava uma fonte de energia que o impulsionasse, e lhe sobravam dúvidas em relação à utilidade de seus esforços. Noutro, repara que as notícias do jornal tendem a se repetir a cada três dias, com pontos mais ou menos assim: dólar sobe ou desce, mais um acidente grave no trânsito, uma pessoa foi assassinada, médicos suspeitam que tal coisa pode ser a cura para tal doença, e por aí vai.

O atrito nesse ambiente se dá entre outros dois personagens, que deixam o principal como espectador da realidade, em oportunidades que pouco temos na vida real de forma perceptível. Esses personagens são o cão - de rua, encontrado na volta de um bar durante a madrugada, na Praça da Alfândega, um vira-latas, enfim - e Marcela, uma modelo que conheceu estando bêbado, os dois, e a partir de quando passaram a ter relações sexuais casualmente. O cão e Marcela representam dois extremos: o tédio como característica intrínseca do indivíduo atual, e o sentimento não menos intrínseco de luta contra essa situação. O livro, porém, e quem o leu sabe, é otimista em relação ao que vivemos hoje, não necessariamente sobre o futuro, mas na sua sugestão de atitude.

Daniel Galera tem 28 anos, é paulista, mas mora em Porto Alegre desde guri. Amanhã (quinta-feira), estará autografando Até o dia em que o cão morreu na Palavraria (Av. Vasco da Gama, 165, bairro Bom Fim), a partir das 19h (o livro virará filme, sob o título Cão sem Dono, que estreará em maio nos cinemas). Eu estarei lá. É uma boa oportunidade para alguém me assassinar, pois estou dizendo onde e quando estarei. Aí a imprensa voltaria a tratar dos crimes planejados pela internet, e essa coisa toda que se repete a cada três dias. Pelo menos aumentaria a audiência do blog. Mas enfim, será uma forma de acabar com o tédio juvenil que tenho, pois, como dizem os marxistas, somos todos construções históricas. Convido aos meus amigos para, pelo menos, tomarmos um café amanhã nessa livraria, até a hora da minha estimulante aula de Economia Brasileira Contemporânea II, com sua inflação inercial e diferentes planos heterodoxos de estabilização.

terça-feira, abril 03, 2007

A violência no Brasil

Existem determinados temas que rodeiam nossa realidade de que havia decidido não tratar, pois achava ser o debate acerca deles desnecessário. São aqueles temas cujas perguntas e respostas, na minha humilde arrogância, considerava consensuais. Violência era um deles. A ascensão desse assunto no último mês, no entanto, tendo como estopim a morte do menino João Hélio no Rio de Janeiro, fez atuar sobre a mim a Lei de Say, que diz que toda a oferta cria sua demanda. Logo, aqui estou eu.

Fato é que, sempre que o debate era sobre violência, como aspirante a pensador (do mal) que sou, admitia a tradicional opinião da esquerda brasileira de que a violência no Brasil tem caráter social, que a enorme desigualdade do país é a sua origem, que é reflexo da falta de oportunidades à juventude pobre etc. Essas opiniões são justificadas quando se explica o que se entende por esquerda brasileira, pois com esse termo se identificam todos aqueles que se consideram de bom coração, caridosos, pacifistas, ou seja, jovens, poetas, artistas, utópicos, sociólogos ou economistas mal sucedidos, pessoas da classe média para cima que discutem a vida ao redor de mesas de bar, em goles de cerveja.

Eu, claro, sou tudo isso e, portanto, admito toda essa conversa fiada acerca das causas da violência no país. Mas já que a esquerda passa por problemas de personalidade ultimamente, não custa nada pensar na possibilidade dela estar equivocada em alguns pontos, pois se sobra a ela altruísmo, lhe falta senso prático. A principal lição que tiramos disso é parar com essa frescura de achar que reprimir o crime é coisa da direita.

Minha idéia aqui não é negar o tal caráter social que tem a onda de violência no Brasil, mas complementá-lo. Como costumo dizer, embora se saiba que pobreza não gera violência, tem-se que ser muito ingênuo para achar que o fato do Brasil ser um dos países mais violentos do mundo ao mesmo tempo em que é um dos mais desiguais é somente coincidência. Minha percepção da violência brasileira, no entanto, é mais ampla que essa. Acredito que esse fenômeno atingiu um patamar inercial no nosso país, deixando de se constituir numa relação de origem e meio para se tornar um fim em si mesmo. É a conhecida “banalização da violência”, que deixa de ser um processo social lógico e causal para se tornar uma forma de relação entre as pessoas, como quando um sujeito dá um tiro num outro porque o primeiro lhe deu uma fechada no trânsito, ou quando a filha mata os pais porque eles não gostavam do seu namorado, ou quando jovens ricos incendeiam um índio por pura diversão. A criminalidade com essas características, prezado leitor, sinto muito, mas se combate, sim, com aumento da repressão ao crime e do rigor nas penas.

Existe uma racionalidade econômica nisso tudo – coisa simples, de custo e benefício. Ora, um indivíduo somente comete um crime, em sua sã consciência, como ocorre na maioria dos casos no Brasil, se os benefícios que obtiver desse crime, ponderados por um risco deste falhar, forem maiores que seus custos. No nosso país, o custo e o risco existentes àquele que comete um crime são tão baixos que mesmo a menor criminalidade traz benefícios líquidos ao seu autor. É a idéia popular de que o crime compensa. Com seu custo e risco tão baixos, o crime se torna uma opção aos mínimos desvios de caráter e insatisfações da vida cotidiana: Quero um tênis que não posso comprar? Roubo-o de um sujeito na rua; Quero ir a uma festa de carro, mas não tenho habilitação? Dirijo assim mesmo; Meu time perdeu? Agrido o torcedor adversário; Sou deputado e ninguém vigia minhas ações? Cometo corrupção; e por aí vai. O que temos que fazer, portanto, é criar um mecanismo de aumento da repressão ao crime (ou seja, de aumento de seu risco) e de maior rigor nas penas (ou seja, de aumento de seu custo), de forma que, qualquer que seja a situação do indivíduo, esta ainda seja preferível à criminalidade.

Há, por fim, uma questão importante a ser considerada: o reconhecimento da consciência individual das pessoas. Todos os indivíduos sabem, sim, prezado leitor, que não se deve roubar, agredir e matar. Sabem que não se deve descumprir regras simples de convívio numa sociedade, que não requerem estudos maiores para delas se ter conhecimento. Trata-se do fundamento básico do respeito mútuo. Da mesma forma que não me considero “mais consciente” que ninguém, não vou admitir a idéia de que alguns são “menos conscientes” que os demais para, assim, poderem legitimar suas ações ilegais pelo fato de que, quando eram crianças, quiseram ter uma bicicleta e seus pais não puderam lhes dar. Admitir esse argumento é o mesmo que admitir a superioridade intelectual de um determinado segmento social sobre outro – o que é comum da direita à esquerda brasileiras. Somos iguais em nossas capacidades de consciência individual e, logo, devemos ser tratados de forma igual pelas instituições democráticas, independentemente de cor, origem, credo e classe social. Não cabe ao Estado tratar as pessoas como idiotas, como se elas não soubessem a diferença entre o certo e o errado.

Que fique claro que, quando defendo o aumento da repressão ao crime e das penas, obviamente subentendo o total cumprimento dos direitos humanos nos moldes da mais plena democracia. Também acho errado a polícia subir o morro esbofeteando a molecada. Aliás, se os direitos humanos fossem realmente cumpridos no Brasil, muito dessa discussão de que aqui trato seria desnecessária. Minha idéia, no entanto, é exatamente mostrar que essas coisas não são incompatíveis. Pelo contrário, o aumento da repressão ao crime parece essencial à efetivação dos valores humanitários que nosso país tem e com os quais se compromete perante aos demais povos do mundo. Se o debate acerca da criminalidade no Brasil não tratar disso, poderemos estar confirmando a sensação já presente entre nós de que tal problema não tem solução.