segunda-feira, setembro 17, 2007

Sobre a Nudez e Nelson

Tive a feliz oportunidade de assistir ontem a peça Toda a Nudez Será Castigada, dentro das atividades do Porto Alegre em Cena, do genial Nelson Rodrigues. Passei o fim de semana inteiro na capital, o iniciando com um concurso no sábado de manhã, passando pela Bienal à tarde, e à noite pelos bares, repetindo essa rotina com poucas variações até às três da manhã dessa segunda-feira. Ontem, então, deixei o grenal de lado e fui ao teatro. Não me arrependo de nada: meu time venceu mesmo sem minha ajuda espiritual, e vi uma espetacular obra, que me deixou zonzo de tanta beleza ao seu fim, apesar das desconfortáveis galerias do Teatro São Pedro.

Escolhi essa peça pelo autor, pela sua fama. Foi o poder da marca. Estou numa fase da minha vida em que me forço a assistir certas coisas, ler certos livros, ver certas cenas, pela pura experiência de viver esses momentos. Essa filosofia vale para tudo, da arte ao sexo. Toda a Nudez Será Castigada mistura os dois.

O enredo é de difícil explicação. Só para matar minimamente a curiosidade do leitor que não o conhece, é mais ou menos assim: Um viúvo promete ao filho jamais ter outra mulher em memória à esposa defunta; de tanta depressão, procura uma prostituta, por quem se apaixona; o filho, virgem por convicção ética, os vê aos amassos no jardim da casa, sai furioso, briga na rua, é preso e estuprado na cadeia por um boliviano; para se vingar, lhe sugere que se case com a prostituta para, após o casamento, cornear o próprio pai; quando isso começa a ocorrer, a prostituta é quem se apaixona pelo guri, que, todavia, foge com o seu estuprador boliviano; a prostituta morre sozinha e infeliz. Em poucas e soltas frases, é isso. Nelson Rodrigues na veia.

Sou um leigo em teatro. Estou tentando aprender a admirar essa forma de arte, que comecei a prestigiar a pouco tempo, diga-se de passagem, graças ao Porto Alegre em Cena, há dois anos. Talvez por isso tenha ficado tão impressionado com tudo que vi, e não falo somente dos inúmeros seios nus expostos pelas atrizes belíssimas da peça, mas pela atuação, pela história, pela música, pelos sons, pelas luzes, pela maneira como as cenas se sucediam.

Sobre Nelson Rodrigues, o que conheço é sua exposição da hipocrisia existente na sociedade. Tamanha exposição que alguns o até confundem com moralista. Se eu não tivesse ouvido dele mesmo (numa gravação de TV, é claro) sua auto-declaração de direitista, jamais diria que ele o era, pois não vejo nenhuma defesa do moralismo em seu trabalho. Pelo contrário, ao expor a hipocrisia social - como a do jovem virgem que foge com seu estuprador - escancara a fragilidade da sociedade de aparências e fingimentos em que vivemos. A prostituta, por sua vez, é quem ama de verdade. Nelson Rodrigues foi deveras um pensador do mal.

Não estou com essa postagem recomendando a leitura de Nelson Rodrigues tampouco a peça que vi – até porque os ingressos do festival já estão esgotados. Estou apenas me exibindo. Hoje é dia de Navalha na Carne.

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