Desde a sua posse, o Governo Lula vem mantendo a política econômica alicerçada sobre três pilares: câmbio flutuante, metas de inflação e taxa de juros. Esses são os fundamentos da política econômica desde a desvalorização do Real ocorrida em 1999. Há quem diga que a livre circulação de capitais seria o quarto pilar. Sendo ou não, fato é que estes foram, com pequenas turbulências, capazes de manter os rumos daquilo que essa política econômica considera prioridade.
Um desses pilares, no entanto, causa singular discussão: a taxa de juros. De forma geral, com exceção de um pequeno período em 2004, esta vem se mantendo em ascensão com o pretexto de controlar a inflação. As conseqüências disso são perversas no que tange a crescimento econômico, especialmente num país como o nosso, com gritantes demandas sociais. A discussão provém, portanto, da angústia de uma sociedade cansada de paralisia econômica e ansiosa por avanços rápidos em suas questões pertinentes.
O último ano, porém, se mostrou atípico. Apesar do aperto monetário, o país cresceu mais de 5%, obtendo saldo histórico na balança comercial e controlando, relativamente, a inflação. Muito disso se deve ao ótimo momento vivido pelos exportadores, principalmente os do setor primário, sendo a exportação a principal variável determinante do bom resultado geral que se obteve.
Apesar desse viés, críticas à política econômica permanecem, principalmente as que tratam dos juros, mas também outras, como as que apontam a uma espécie de "dependência" que o Brasil passou a ter do setor externo. Isso tem fundamento no fato das nossas contas externas terem obtido superávit através da exportação de commodities agrícolas, que têm preços voláteis, e da atração de capitais através dos juros altos. Logo, esse cenário positivo, segundo as críticas, se acabará no momento em que a conjuntura internacional não for mais tão favorável - o que se evidencia já a partir desse ano. Além disso, ainda segundo as críticas, o Estado estaria engessado devido aos superávits primários que tem de manter a fim de equilibrar a relação dívida pública / PIB - um dos principais indicadores de solvência no mercado financeiro - pois os juros altos põem o custo dos nossos papéis nas nuvens. Todo esse esforço em nome de metas de inflação altas, e que nunca se cumprem.
Senhores, os críticos estão certos!
Deveras, as altas taxas de juros tem prejudicado, e muito, o desempenho da nossa economia no que se refere a crescimento. Isso é inegável. A manutenção da taxa básica de juros em altos níveis gera um efeito em cascata que eleva todas as demais taxas de juros do sistema financeiro, inibindo o consumo e o investimento - o que garantiria o crescimento agora e depois. Mas, também é inegável, a manutenção dos juros altos tem controlado a subida da inflação que, sendo ou não de demanda, responde às taxas - inflação essa que é alta se comparada com as de países mais desenvolvidos ou até mesmo a de outros aqui no nosso lado, como o Chile. Esse trade-off entre inflação e crescimento tem ganhado força através de uma concepção moderna de desenvolvimento, mais qualitativo do que quantitativo. Ou seja, crescimento deixa de ser o fim da política econômica e passa a ser um meio para se atingir outras metas. Não mais nos serve o crescimento a qualquer custo, ao estilo "milagre", visado aqui nas décadas passadas e que gerou uma sociedade desigual e injusta, com todas as conseqüências que essas características trazem. O controle da inflação, mesmo às custas do crescimento, é importante porque protege os setores mais frágeis da economia e possibilita avanços sociais.
A tal de "dependência" do setor externo também é verdadeira. Mas aviso: se acostumem, pois será assim para sempre. E isso não se aplica somente ao Brasil e a demais países emergentes, mas a todos, de forma geral. A globalização econômica tende a fazer com que, cada vez mais, o ritmo do crescimento dos países acompanhe o crescimento mundial. Alguns, como EUA ou China, eventualmente assumirão o papel de locomotiva nesse processo, mas nem estes estarão à parte do que ocorre no restante do mundo. A presente ordem econômica força os países a usufruir dos bons momentos o mais que puderem, e a se prepararem para enfrentar bem os momentos de vacas magras que também virão. É uma dependência de uns aos outros. Todavia, aquela dependência no sentido antigo da palavra, do capital estrangeiro, do "imperialismo financeiro" etc, felizmente não nos é mais tão presente. Os nossos saldos comerciais nos têm transformado num país que consegue pagar suas contas e bancar sua dívida externa, nos fazendo mais sólidos e confiáveis. Além disso, os constantes superávits primários acima dos 4% do PIB realizados pelo Estado também visam manter a dívida pública sob controle, fazendo com que este mostre capacidade de saneamento dos seus gastos. No fundo, o que se está buscando é solucionar problemas históricos da nossa economia gerados numa época em que crescimento era a finalidade mesmo com o sacrifício das gerações futuras. Pois somos a geração futura.
E, por fim, ainda seguindo o raciocínio acerca do Estado, mais uma verdade dita pelas críticas à atual política econômica: o Estado brasileiro está, sim, engessado pelo pagamento de dívidas que crescem com as altíssimas taxas de juros que a atual política econômica exige. O superávit primário cobra um esforço grande - hoje se gasta mais com o pagamento de dívidas do que com setores estratégicos, como programas sociais ou de infra-estrutura, o que se agrava num país com os problemas como os do Brasil. Quem dera, porém, que o problema do Estado brasileiro se resumisse à questão dos juros. A nossa máquina pública é, historicamente, ineficiente, arcaica, de baixíssima produtividade e excessivamente grande. Muitos de seus setores se mostram desregulados, ou não cumprem o papel a que se prestam. Alguns de nossos gastos, como os em educação e segurança. são em valores brutos superiores a de muitos países desenvolvidos, sem se atingir, todavia, os mesmos resultados. Os gastos são mal feitos, gerando mal resultados. Isso desde áreas do Executivo até a Previdência Social. O próprio endividamento do Estado, sobre o qual pagamos os juros de que tanto se reclama, se deve a esse mau tratamento da coisa pública feito no passado. Uma reforma do Estado certamente o daria muito mais agilidade para atender às demandas que tem do que uma redução dos juros - que sacrificaria a política econômica e, logo, toda a sociedade. Mas mesmo os juros altos são conseqüência da irresponsabilidade dos nossos antepassados para com o Estado e para com a sua governabilidade no futuro que viria. Cabe a nós escolhermos entre fazer o mesmo que eles fizeram, ou buscar corrigir definitivamente os erros feitos para finalmente transformar o Estado em ferramenta econômica, e não mais num peso a ser carregado por toda a sociedade como é hoje.
E se crescimento econômico não é tudo, o papel dos juros sobre ele também não o é. As perspectivas de retorno sobre um investimento bruto realizado no Brasil são tão baixas que, nessa conjuntura, títulos ou outras aplicações financeiras serão sempre atrativas ao capitalista. E isso porque crescimento somente se realiza através de duas maneiras: aumento da capacidade produtiva - que depende, sim, do investimento inibido pelos juros altos - ou aumento da produtividade. Esta, por sua vez, precisa de melhorias tecnológicas e qualificação da mão-de-obra. Qualquer crescimento que aconteça sem atenção a esses pontos será "vôo da galinha", não interessam as circunstâncias. Não se pode esperar muito de um país onde, por exemplo, uma criança de 13 anos em idade escolar correta tem mais escolaridade que um trabalhador médio. Além disso, nossas instituições não permitem avanços econômicos e segurança ao investimento, como a nossa legislação trabalhista que nos tira competitividade, nossa legislação ambiental imprecisa, nossa má organização tributária, nossas agências reguladoras ineficazes etc. Poucas são as nossas instituições realmente organizadas de maneira pró-mercado. Portanto, dizer que o Brasil não cresce porque os juros são altos, parece uma simplificação grande demais para uma questão que abrange muitos outros aspectos.
O objetivo desse artigo foi mostrar que a atual política econômica gera, de fato, distorções, mas que muitas delas são conseqüências de uma política econômica adotada no passado parecida com a que se apresenta atualmente como alternativa. Além disso, tenta mostrar que a redução dos juros, embora tenha alguma importância, não é a questão central a ser buscada se o que se quer é uma política que vise crescimento sustentável e com impacto social positivo. Busquemos, portanto, resolver as questões mais relevantes que estruturam uma economia vigorosa e que ainda não estão consolidadas no Brasil, sem tentar pular etapas de desenvolvimento como fizemos um dia, e deixando de lado aquilo que somente tem impacto em última instância. Somente assim a última instância chegará logo.
quinta-feira, dezembro 01, 2005
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