A idéia desse artigo me veio quando estudamos, na primeira etapa do curso de Teoria Macroeconômica II, o trade-off existente entre inflação e desemprego, fundamentado sobre os pressupostos da curva de phillips. Sob essa perspectiva, a política econômica deveria optar pelo emprego em troca da tolerância com níveis elevados de inflação, ou por inflação baixa, ao custo de um nível de desemprego maior.
Os problemas gerados pelo desemprego – e da redução do nível de atividade econômica, que é sua causa - sempre me foram claros, como acredito os serem para a maioria: queda da massa salarial, aumento da pobreza, aumento da necessidade de assistencialismo, crescimento das tensões sociais etc. Ora, se suas conseqüências são tão óbvias, e ruins, como sabemos, por que não optar pela tolerância com a inflação a fim de mantermos o pleno emprego?
O objetivo desse trabalho, pois, é mostrar que, de fato, existe um trade-off entre inflação e desemprego, ou seja, que a inflação também gera problemas que torna a opção por ela tão difícil, ou mais, de ser tolerada pela sociedade quanto a pelo desemprego. A intenção aqui, portanto, não é tratar de teorias da inflação, tampouco determinar suas origens e causas. Viso aqui apenas apresentar os malefícios trazidos pela inflação, tanto sobre o bem-estar dos agentes quanto sobre a estabilidade social, a fim de que se possa compreender melhor as conseqüências desse fenômeno econômico.
Inflação como um tributo sobre a moeda e geradora de ineficiências
Considerando a moeda como um bem, a inflação age sobre ela como qualquer tributo age sobre um outro ativo. Sobre a moeda, a inflação pode ser comparada com um imposto direto, sobre valor adicionado, sobre a renda ou sobre os ganhos de capital. Isso porque qualquer pessoa que retenha dinheiro sofre prejuízo de seu valor (ou seja, de seu poder aquisitivo) quando se encontra em ambientes inflacionários.
No caso de emissão de moeda, de novo como qualquer outro imposto, a inflação consiste na transferência de renda dos agentes econômicos ao governo. Ao dobrar a quantidade de moeda em circulação, por exemplo, para poder pagar suas despesas, o governo adquire renda em troca de uma diminuição de 50% do valor da moeda. Ou seja, aqueles que retém moeda, ceteris paribus, ficam com 50% a menos de poder aquisitivo. Isso representa o mesmo que a existência de uma lei que exige que quem tenha dinheiro entregue metade dele ao governo. A base de arrecadação desse imposto, nesse caso, é os agentes com acesso à moeda.
Determinadas medidas econômicas tomadas pelo governo favorecem a manutenção da base de arrecadação do imposto inflacionário. Um exemplo é dar aos bancos um teto de juros a serem pagos sobre depósitos, que os bancos ficam obrigados a respeitar, e que inibe os agentes a depositarem nos bancos, incentivando a permanência de moeda com os agentes, possibilitando uma maior arrecadação do governo através do imposto inflacionário. Outro exemplo de medida governamental que ocasiona esse efeito é a proibição de realização de reservas em moedas estrangeiras pelos agentes, que os faz manter moeda nacional em mãos, novamente possibilitando a arrecadação através do imposto inflacionário.
E consistindo num imposto, logo, a inflação tem conseqüências como tem um tal: prejudica o bom funcionamento do sistema de preços, pois altera seus valores relativos; e provoca perda de eficiência e bem-estar por parte dos agentes, que, além de se depararem com os preços dos bens alterados, não conseguem maximizar suas utilidades, dada suas restrições orçamentárias, como o conseguiriam caso o imposto inflacionário não existisse.
Para poder fugir do imposto, os agentes procuram evitar guardar moeda, fazendo mais transações econômicas: famílias gastam imediatamente o que recebem, empresas pagam seus funcionários de forma parcelada, estoques são renovados imediatamente etc. Os agentes visam, em outras palavras, poupar reservas em dinheiro. Essa necessidade de se desfazer de moeda rapidamente gera perda de eficiência na alocação de recursos.
Basicamente, a inflação gera três tipos de ineficiência:
1. O problema do chamado medidor de estacionamento, que consiste na dificuldade que têm os agentes em determinar com precisão preços específicos (de um bem determinado) em relação ao nível geral de preços, que se encontra em ascensão;
2. Em ambientes inflacionários, a obtenção de informações acerca das condições de mercado, principalmente em relação à ocorrência ou não de inflação imprevista, passa a ter um custo muito alto, pois os agentes passam a necessitar se desfazer mais rapidamente da moeda (o tempo passa a ser um bem escasso, haja vista a rapidez com que os preços sobem). Assim, realizam transações sem poderem obter informação perfeita e completa acerca do mercado onde se encontram.
3. Geração de incertezas, principalmente, de novo, no caso de ocorrência de inflação inesperada. Isso faz com que os agentes visem depositar suas economias em salvaguardas contra a inflação, enquanto poderiam estar investindo em bens de capital, por exemplo, que geraria aumento da produção. Isso ocorre porque a busca por salvaguardas tem um custo de transação menor, considerando a dificuldade de se realizar previsões que há num ambiente inflacionário.
Inflação como redistribuidora de renda
A inflação tem por conseqüência alterar o valor de ativos a passivos monetários, devido, evidentemente, à desvalorização que sofre a moeda com a inflação. Com ela, devedores em termos monetários têm ganhos, pois passam a dever menos conforme a moeda se desvaloriza em relação aos demais bens da economia. De forma oposta, credores em termos monetários têm perdas, pois as dívidas que outros agentes têm para com eles passam a ser relativamente menores. Como o governo costuma ser o maior devedor em uma sociedade, novamente a inflação serve como uma redistribuidora de renda a seu favor. Os mais prejudicados são os que têm economias guardadas e os pensionistas, como os aposentados, que financiam suas aposentadorias com poupanças que, com a inflação, vão perdendo seu valor.
Às vezes, diz-se que os bancos costumam ser os maiores beneficiados pela inflação, pois emitiriam contas correntes que se constituiriam em débitos. Isso geralmente não ocorre, pois os ativos bancários costumam ser maiores que seus passivos.
O controle de preços, medida geralmente utilizada para amenizar as conseqüências da inflação, tem o efeito de acelerar o processo de redistribuição de renda. Isso porque, sendo os preços controlados, estes não conseguem acompanhar a pressão inflacionária, havendo uma transferência de renda destes aos demais produtos que conseguem. O produtor de um bem com preço tabelado, por exemplo, transfere renda para um consumidor cujos rendimentos acompanham a inflação. Esse tipo de processo também ocorre em relações empregado-empregador, banco-devedor etc.
Conseqüências sociais da inflação
Não há diferença entre um processo moderado de inflação e outro maior no que tange às suas conseqüências, a não ser nas suas intensidades. A primeira que se observa é a existência de um custo de transação maior, devido à escassez de tempo que a subida de preços acelerada provoca. Isso gera detrimento no tempo dedicado pelos agentes à produção ou, mais comumente, no dedicado ao lazer, o que afeta diretamente seu bem-estar.
Outra conseqüência observada é a ascensão da atividade especulativa como principal fonte de renda dos agentes. Isso consiste na manutenção de ativos não-monetários, ou em moeda estrangeira, e na sua revenda por um preço superior após a atuação do processo inflacionário - em detrimento da atividade produtiva. Passa a se proliferar os agentes intermediários no comércio, que compram produtos a um determinado preço e os revendem a um outro maior. Esse aumento de intermediários também favorece o surgimento do comércio ilegal de produtos revendidos, que se beneficiam do aumento de preços proveniente da inflação.
O crescimento da demanda por especulação, particularmente a financeira, também faz proliferar o surgimento de bancos e casas de câmbio. Isso se deve ao aumento da busca por moedas estrangeiras e títulos rentáveis como meio de salvaguarda contra a inflação.
Outra conseqüência do processo inflacionário é o acirramento de conflitos entre empregados e empregadores pelo nível do salário real. Isso em decorrência da variação dos preços relativos e da incerteza existente quanto a essa variação, o que provoca o problema do medidor de estacionamento na determinação dos salários.
Empiricamente, vê-se que a inflação costuma gerar aumento da disparidade de renda, além da intensificação da pobreza, devido ao pouco acesso que determinados ramos da sociedade têm à especulação, logo, às salvaguardas contra a inflação. Isso determina a redução da classe média em prol da concentração de renda nos extremos.
A inflação também altera os valores morais existentes na sociedade. O aumento dos rendimentos com especulação, por exemplo, faz aumentar o desejo de se obter ganhos através de métodos ilegais, haja vista a propensão que o ambiente especulativo tem para com esse tipo de atividade. Isso tende a elevar os níveis de corrupção. A incerteza trazida pela inflação, por sua vez, gera o desejo de usufruir o tempo presente sem preocupação com o que virá no futuro, pois nada garante o ambiente se encontrará nos períodos seguintes. Esse sentimento inibe a realização de poupanças e planejamentos para o longo prazo, tornando essa sociedade economicamente imediatista.
Estabilidade institucional num ambiente inflacionário
Tem-se a idéia de que inflação não combina com democracia, pois inflação gera conflito social que, por sua vez, só consegue ser detido com repressão política, que vai contra os ideais democráticos.
De forma mais pragmática, inflação gera ineficiência econômica e estagnação do progresso, fazendo com que a legitimidade de todo o modelo capitalista de sociedade, e não somente a política econômica, sofra danos. O controle de preços, como já se apontou como política comumente usada a fim de conter os efeitos da inflação, além de agravar o problema da eficiência econômica, aumenta o conflito entre diferentes setores da sociedade. Exemplo de conflito social causado pela inflação é a atuação mais agressiva dos sindicatos na determinação do salário real, o que pode ser considerada uma conseqüência da inflação, e não sua causa como às vezes se interpreta.
O aniquilamento da classe média provocado pela inflação também gera instabilidade social, pois é a classe média a principal responsável pela manutenção do modelo social em que se encontra. Ela tende a ser conservadora, a acreditar na ordem social e a confiar nas instituições. Além disso, tem sentimento de ordem, não aderindo a mobilizações populares contra o modelo vigente, impedindo a polarização entre esquerda e direita. A destruição da classe média e, logo, de seus valores, como senso de ordem, de lei e de valorização do serviço público, no longo prazo pode significar o aniquilamento de todo o modelo capitalista de sociedade.
Conseqüências das políticas de combate à inflação
As ferramentas que o governo tem para o controle da inflação, que causam queda do crescimento econômico e do nível de emprego, também geram perda de legitimidade da ordem econômica vigente. Os agentes passam a ver o modelo, e não a inflação, como o culpado pela instabilidade econômica.
Existem basicamente três políticas diferentes com a qual se pode tratar a inflação: ou permitir que ela continue atuando e, assim, se intensifique; ou congelar preços e, portanto, controlar a inflação através da centralização da economia; ou frear a quantidade de moeda em circulação. Todas essas políticas trazem conseqüências variadas, e a maioria delas desagradáveis, mudando somente o tempo em que essas conseqüências serão sentidas pela economia: se no curto, ou no longo prazo.
A inflação, para manter o pleno emprego, razão pela qual muitas vezes ela é tolerada, teria que ficar em constante aceleração, dada a idéia de expectativas adaptativas. No futuro, no entanto, essa inflação tende a gerar mais desemprego, pois a alocação ineficiente de recursos que gera também se aplica ao mercado de mão-de-obra. Isso porque a inflação altera o fluxo monetário entre as diferentes etapas produtivas, alocando trabalhadores em setores que oferecem salários mais altos devido à alteração de seus preços relativos. Quanto mais tempo ela dura, portanto, mais trabalhadores são empregados em setores que dependem de sua manutenção. Logo, quando essa inflação tiver que ser controlada, dependendo do nível de dependência a ela em que essa economia se encontra, o nível de desemprego gerado pela política de restrição será muito maior do que seria no caso do controle de uma inflação moderada e/ou que tenha atuado por um período curto de tempo.
Esse artigo mostrou que a opção pela tolerância com a inflação tem um preço bastante alto, de cujo pagamento não parece haver fuga. Podemos perceber também que suas conseqüências tocam as demais áreas das Ciências Sociais de maneira direta, se tornando uma dificuldade a ser enfrentada de forma multidisciplinar.
O combate desse problema, no entanto, não é uma tarefa fácil de ser executada, como sabemos. Seus custos também são altos, o que torna o trade-off entre inflação e desemprego pertinente ao estudo pela Economia. É como se tivéssemos que tratar de uma doença grave com um remédio que pode gerar ainda mais sofrimento ao paciente com seus efeitos colaterais.
Esse trabalho sugeriu que, embora o remédio seja amargo, o tratamento é necessário, pois o convívio com a doença se mostra, mais cedo ou mais tarde, insuportável.
quinta-feira, dezembro 08, 2005
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Um comentário:
Adorei! Seu artigo me ajudou muito!
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