terça-feira, fevereiro 06, 2007

Pequena Crônica da Contemporaneidade

Já faz um tempo, li uma coluna do Elio Gaspari, dessas que saem nas edições de domingo do Correio do Povo, daquelas bem ao seu estilo, de vocabulário irônico e cruel. Falava, e bem, do Governo Lula, ao tratar dos benefícios trazidos às classes pobres pelas medidas de desoneração fiscal sobre os materiais de construção. Descrevia a forma pela qual as classes baixas erguem seus “puxadinhos”, geralmente com a ajuda de amigos e parentes, e o quão importante isso era para essas pessoas e o impacto disso sobre suas vidas. Descrevia também o desconforto dos ricos do país com essa alegria da ralé, comparando com o que aconteceu no século XIX imediatamente após o fim da escravidão, quando os negros libertos passaram a freqüentar as ruas, desempregados e bêbados, como todos os cidadãos de bem. Percebi naquele momento o meu espírito de burguês enrustido, que se escancarou na minha frente num choque de verdade.

Nessa manhã, rumei para a faculdade vindo de Sapucaia do Sul, na grande Porto Alegre. Passar um tempo lá, por menor que seja, é sempre uma experiência interessante: as pessoas nas ruas, os caras tentando impressionar as gurias que os seduzem com seus bonitos decotes e saias curtas, além dos muitos botecos, e dos tradicionais churrascos e cervejadas em todas as casas, nos fins de semana.

A viagem até lá se faz de trem ou de ônibus, este que passa pela rodovia federal que cruza várias cidades da região. Nas minhas idas, geralmente poucas pessoas no coletivo, a maioria senhoras, todas de saias longas e lendo bíblias. Nas voltas, não costumo prestar muita atenção, e as costumo fazer de trem. Hoje, no entanto, foi diferente: acordei às 5h30min, ainda noite, para vir cedo, sob uma chuva torrencial que chegava a assustar. Vim de ônibus dessa vez, que estava cheio de homens e mulheres que se dirigiam visivelmente para seus empregos. Todos tão trabalhadores que cheguei a ficar com vergonha de mim mesmo. Em cada parada diante de uma firma, desciam muitos, que se despediam carinhosamente dos que prosseguiriam a viagem (particularmente do motorista), numa espécie de cumplicidade fraternal. Ali, eu vi o Brasil.

Um amigo meu que viajou para São Paulo se disse muito chocado com o contraste da pobreza que por lá encontrou. Lá, o país dá a cara ao tapa, e não finge ser o que não é. É um Brasil com menos vaidades. No meio de seu relato, soltou a seguinte expressão, simples e profunda ao mesmo tempo, como são os contrastes que nos caracterizam: “É muita pobreza, cara... Puta merda, esse país precisa crescer...”.

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