Estou cada vez mais estupefato acompanhando o debate acerca das cotas raciais na UFRGS, universidade em que estou me formando. É impressionante como em pleno século XXI, com todos os avanços verificados nas ciências sociais nos últimos três séculos, esse tipo de debate ainda tenha alguma relevância na sociedade.
Um único argumento basta para me fazer ser contra a qualquer tipo de cotas, seja racial ou social: cotas não funcionaram em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época.
O que o mecanismo de cotas racial fará, na prática, é transformar a cor da pele de cada indivíduo em critério para seu ingresso na universidade. Isso é consenso tanto entre aqueles que são contra quanto entre aqueles que são a favor. A diferença é que os últimos acham isso bom, que se estará revertendo um processo histórico em que os negros e índios sempre ficaram desamparados. Agora, então, segundo a proposta que está sendo discutida, negros e índios dividirão 40% das vagas da universidade somente por serem negros e índios, sendo as outras 60% distribuídas pelo critério do vestibular, como é hoje com todas. Ou seja, negros e índios terão 40% das vagas da universidade reservadas para si simplesmente, como disse, por serem negros e índios. É a institucionalização do racismo no Brasil.
Se não bastasse a questão ética, há uma prática. Tu, leitor, te consideras de que raça? Não, não fica envergonhado, pois tampouco sei a minha. No nosso país, como sabemos desde Gilberto Freire, só há mulatos, uns mais brancos, outros mais pretos. Nem a genética salva, pois, de acordo com ela, existem variedades de seres humanos, não raças. Na nossa peculiar formação antropológica, então, conseqüência da suruba que foi nossa formação enquanto povo, como definir quem é negro e quem não é? A primeira solução apresentada foi a formação de um conselho de professores da universidade que definiria isso. Seria assim: os candidatos a uma vaga na UFRGS chegariam diante de uma mesa de professores e estes diriam se eles são negros ou não e, assim, se teriam direito às cotas ou não. Coisa semelhante se viu somente na Alemanha nazista. A nova proposta sugere que cada candidato defina sua própria raça e, portanto, se quer ou não participar do esquema das cotas, o que levará ao que ocorreu no Rio de Janeiro com aquelas meninas loiras e de olhos azuis que ingressaram na universidade via cotas. Elas simplesmente se achavam negras. Quem vai dizer que não? Um conselho de professores? É a típica regra burra que surge para ser burlada.
Alguns apontam à experiência dos EUA como exemplo bem sucedido de cotas raciais. Repito: cotas não funcionaram em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época. É importante dizer que nos EUA, ao contrário daqui, as raças sempre foram bem definidas entre negros e brancos. Elas não se misturaram, e isso torna a aplicação de cotas mais fácil. Mas mesmo lá, as cotas serviram para acirrar o conflito racial e fazer crescer o problema que visava solucionar. Se não bastasse isso, ontem a suprema corte norte-americana aboliu o sistema de cotas das escolas por considerá-la anticonstitucional. O que provocou isso foi o fato de três famílias brancas terem entrado na justiça por não terem conseguido vagas para seus filhos em escolas porque elas estavam reservadas para negros. A alegação da suprema corte foi a de que um país livre não pode ver a cor de seus cidadãos e utilizar isso como critério para se ingressar ou não numa escola. Enquanto lá as coisas andam numa direção, aqui andam noutra.
Ora, é evidente que negros compõem a grande massa da população pobre brasileira. Não nego que eles estiveram à margem do progresso do nosso país, e as estatísticas mostram isso claramente. Se considerada somente a nossa população branca, por exemplo, o Brasil seria o 40° país de melhor qualidade de vida do planeta; os níveis de desemprego são maiores entre a população negra; e os negros são as maiores vítimas da violência. Mas há um outro aspecto a ser considerado: existe uma ferramenta chamada matriz de mobilidade social, calculada também pela ONU, que indica o nível de mobilidade social existente num país ou região, ou seja, a freqüência com que integrantes da parcela mais rica da população se movem à mais pobre e vice-versa. De acordo com ela, o Brasil é um dos países de menor mobilidade social do mundo, distante enormemente de outros considerados desenvolvidos. Nesse contexto, é claro que negros, que inicialmente formaram a grande parte da população pobre brasileira, continuará formando a parcela mais pobre hoje em dia. O que explica isso é o nosso baixo nível de mobilidade social, e não a raça. O problema é mais profundo, do arcadismo do nosso capitalismo precário e tosco.
Logo, estamos combatendo um problema inexistente e com métodos equivocados, que somente vão ampliar o conflito racial no Brasil. Prova disso são as pichações racistas encontradas em torno da UFRGS nessa semana, de caráter praticamente inédito na história recente do nosso Estado.
Por fim, devermos ter claro na nossa mente qual é a função de uma universidade: desenvolver conhecimento. Estamos substituindo um critério claro e prático de ingresso nela, baseado em méritos num exame que é igual para todos, por outro racial. O trabalho e o mérito devem ser os mecanismos de ascensão social, onde a universidade é um caminho entre tantos, como ocorre em outros países. Colocar pessoas aos montes para dentro das universidades, independente de suas raças, não vai resolver nossos problemas econômicos. As cotas são mais um exemplo da covardia que nós, brasileiros, temos diante dos problemas do nosso país. Ao invés de enfrentarmos de frente as questões da educação e da imobilidade social, ficamos procurando “jeitinhos” de as resolver de maneira fácil, postergando para o futuro suas soluções reais e perpetuando nosso subdesenvolvimento.
Lamento muito que as cotas sejam aprovadas na UFRGS. Sim, pois se trata de um jogo de cartas marcadas: as cotas serão inevitavelmente aprovadas. As reuniões que estão sendo feitas são um faz-de-conta. Somente algum órgão extra-universidade, como algum tribunal, pode impedir sua implementação, pois todos os segmentos da universidade estão tomados pelo corporativismo pró-cotas oriundo de alguns segmentos influentes e dos movimentos estudantis.
Restam protestos isolados como esse.
Um único argumento basta para me fazer ser contra a qualquer tipo de cotas, seja racial ou social: cotas não funcionaram em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época.
O que o mecanismo de cotas racial fará, na prática, é transformar a cor da pele de cada indivíduo em critério para seu ingresso na universidade. Isso é consenso tanto entre aqueles que são contra quanto entre aqueles que são a favor. A diferença é que os últimos acham isso bom, que se estará revertendo um processo histórico em que os negros e índios sempre ficaram desamparados. Agora, então, segundo a proposta que está sendo discutida, negros e índios dividirão 40% das vagas da universidade somente por serem negros e índios, sendo as outras 60% distribuídas pelo critério do vestibular, como é hoje com todas. Ou seja, negros e índios terão 40% das vagas da universidade reservadas para si simplesmente, como disse, por serem negros e índios. É a institucionalização do racismo no Brasil.
Se não bastasse a questão ética, há uma prática. Tu, leitor, te consideras de que raça? Não, não fica envergonhado, pois tampouco sei a minha. No nosso país, como sabemos desde Gilberto Freire, só há mulatos, uns mais brancos, outros mais pretos. Nem a genética salva, pois, de acordo com ela, existem variedades de seres humanos, não raças. Na nossa peculiar formação antropológica, então, conseqüência da suruba que foi nossa formação enquanto povo, como definir quem é negro e quem não é? A primeira solução apresentada foi a formação de um conselho de professores da universidade que definiria isso. Seria assim: os candidatos a uma vaga na UFRGS chegariam diante de uma mesa de professores e estes diriam se eles são negros ou não e, assim, se teriam direito às cotas ou não. Coisa semelhante se viu somente na Alemanha nazista. A nova proposta sugere que cada candidato defina sua própria raça e, portanto, se quer ou não participar do esquema das cotas, o que levará ao que ocorreu no Rio de Janeiro com aquelas meninas loiras e de olhos azuis que ingressaram na universidade via cotas. Elas simplesmente se achavam negras. Quem vai dizer que não? Um conselho de professores? É a típica regra burra que surge para ser burlada.
Alguns apontam à experiência dos EUA como exemplo bem sucedido de cotas raciais. Repito: cotas não funcionaram em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época. É importante dizer que nos EUA, ao contrário daqui, as raças sempre foram bem definidas entre negros e brancos. Elas não se misturaram, e isso torna a aplicação de cotas mais fácil. Mas mesmo lá, as cotas serviram para acirrar o conflito racial e fazer crescer o problema que visava solucionar. Se não bastasse isso, ontem a suprema corte norte-americana aboliu o sistema de cotas das escolas por considerá-la anticonstitucional. O que provocou isso foi o fato de três famílias brancas terem entrado na justiça por não terem conseguido vagas para seus filhos em escolas porque elas estavam reservadas para negros. A alegação da suprema corte foi a de que um país livre não pode ver a cor de seus cidadãos e utilizar isso como critério para se ingressar ou não numa escola. Enquanto lá as coisas andam numa direção, aqui andam noutra.
Ora, é evidente que negros compõem a grande massa da população pobre brasileira. Não nego que eles estiveram à margem do progresso do nosso país, e as estatísticas mostram isso claramente. Se considerada somente a nossa população branca, por exemplo, o Brasil seria o 40° país de melhor qualidade de vida do planeta; os níveis de desemprego são maiores entre a população negra; e os negros são as maiores vítimas da violência. Mas há um outro aspecto a ser considerado: existe uma ferramenta chamada matriz de mobilidade social, calculada também pela ONU, que indica o nível de mobilidade social existente num país ou região, ou seja, a freqüência com que integrantes da parcela mais rica da população se movem à mais pobre e vice-versa. De acordo com ela, o Brasil é um dos países de menor mobilidade social do mundo, distante enormemente de outros considerados desenvolvidos. Nesse contexto, é claro que negros, que inicialmente formaram a grande parte da população pobre brasileira, continuará formando a parcela mais pobre hoje em dia. O que explica isso é o nosso baixo nível de mobilidade social, e não a raça. O problema é mais profundo, do arcadismo do nosso capitalismo precário e tosco.
Logo, estamos combatendo um problema inexistente e com métodos equivocados, que somente vão ampliar o conflito racial no Brasil. Prova disso são as pichações racistas encontradas em torno da UFRGS nessa semana, de caráter praticamente inédito na história recente do nosso Estado.
Por fim, devermos ter claro na nossa mente qual é a função de uma universidade: desenvolver conhecimento. Estamos substituindo um critério claro e prático de ingresso nela, baseado em méritos num exame que é igual para todos, por outro racial. O trabalho e o mérito devem ser os mecanismos de ascensão social, onde a universidade é um caminho entre tantos, como ocorre em outros países. Colocar pessoas aos montes para dentro das universidades, independente de suas raças, não vai resolver nossos problemas econômicos. As cotas são mais um exemplo da covardia que nós, brasileiros, temos diante dos problemas do nosso país. Ao invés de enfrentarmos de frente as questões da educação e da imobilidade social, ficamos procurando “jeitinhos” de as resolver de maneira fácil, postergando para o futuro suas soluções reais e perpetuando nosso subdesenvolvimento.
Lamento muito que as cotas sejam aprovadas na UFRGS. Sim, pois se trata de um jogo de cartas marcadas: as cotas serão inevitavelmente aprovadas. As reuniões que estão sendo feitas são um faz-de-conta. Somente algum órgão extra-universidade, como algum tribunal, pode impedir sua implementação, pois todos os segmentos da universidade estão tomados pelo corporativismo pró-cotas oriundo de alguns segmentos influentes e dos movimentos estudantis.
Restam protestos isolados como esse.
Um comentário:
Concordo inteiramente com o texto!
PS. Eu sou mestiço. Minha bisavó, ainda viva, é mulata.
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