O inverno daquele ano teve uma forma bem diferente da que com a qual o desse está começando. Não sei bem quando aquilo ocorreu, se há uma, duas, ou cinco temporadas. O tempo, no entanto, é suficientemente curto para que eu me lembre exatamente, com detalhes, do que aconteceu. Lembro, por exemplo, que o frio que abatia Porto Alegre naquele fim de junho era intensificado por uma chuvinha fina que umedecia toda a cidade. Aquelas bem fininhas mesmo, que nos convence da desnecessidade de se levar um guarda-chuva até percebermos estar completamente molhados.
Pois lá estava eu, então, na estação rodoviária da cidade, molhado, e com uma mochila nas costas. Faltava pouco para o ônibus em que eu embarcaria sair, mas ele ainda não tinha estacionado à minha frente. Eu comia um pacote de biscoitos e guardava um outro para a viagem. Tomava uma coca-cola também. E esperava, nada mais.
Sentada num banco, com os cotovelos sobre os joelhos, uma guria olhava para o lado oposto ao que eu me encontrava. Olhava, às vezes me parecendo bastante atenta ao que via, noutras me parecendo distraída, embora eu ainda não tivesse visto seu rosto. De repente, ela se virou, e pude, enfim, olhar sua face: era uma moça muito bonita, de seus dezesseis, dezessete anos. Um rosto de formas suaves, olhos claros, cabelos loiros e longos escorridos para suas costas, exceto por uma mecha que lhe caía até a boca. Olhou para o meu lado sem se focar, e se voltou novamente para o outro.
Seu movimento talvez não tenha sido tão veloz quanto me pareceu, mas, na minha cabeça, foi muito, muito rápido. Reparei tudo que descrevi em questão de segundos, de décimos de segundo. Seu movimento só não foi mais rápido que a minha capacidade de guardar cada detalhe de sua fisionomia. Depois daquele breve momento, só pude continuar a reparar unicamente nos seus cabelos, no seu casaco verde e fofo, e nas suas mãos delicadas que se apoiavam uma na outra sobre suas pernas.
Então, o ônibus chegou. Voltei à realidade, e fui um dos primeiros a embarcar. Embora estivesse ficado muito impressionado com a beleza da moça, não me senti impedido por nada a subir ao ônibus e querer chegar rápido ao meu destino. Subi e me dirigi ao fundo do coletivo, a um assento próximo ao corredor. Esperei, pensando noutras coisas, pelos demais passageiros, até ver, entre eles, aquela guria bonita. Parecia sozinha e despreocupada com qualquer coisa, com o mesmo olhar sem foco definido. Sua única ação mais brusca foi a de colocar a sacola que trazia sobre o banco, muito à frente do meu. Ela sentou, e sumiu entre as poltronas.
A viagem que fiz não foi curta em percurso nem em tempo. E durante toda ela, aquela moça bonita não levantou nenhuma vez de seu banco, tampouco deixou mostrar seus cabelos aos passageiros de trás, nenhum movimento saliente, enfim. Parecia que não havia ninguém naquele banco. Mas, assim como o olhar daquela menina na minha direção, a viagem também pareceu ter sido muito rápida. E quando chegamos, tentei ser um dos primeiros a sair, a fim de passar pelo seu banco antes que ela desembarcasse. Porém, quando cruzei por ele, a guria não estava mais lá. Não sei o que aconteceu, se ela desceu antes ou durante a viagem, em alguma parada pela estrada. Ela simplesmente não estava mais lá, como se o banco estivesse ficado, de fato, vazio durante a viagem inteira.
Ao descer, não fiquei nada mais que curioso sobre como, mesmo tendo ficado atento a ela durante todos os instantes, havia perdido o momento de sua saída do ônibus. Teria sido alguma distração mínima minha, algo assim. Segui andando para meu destino, sem pensar mais nisso. Achei que aquele fato jamais me preocuparia. Ao escrever essa crônica, todavia, é que percebo o quanto estive enganado esse tempo todo, e o quanto aquele simples, rápido e despropositado movimento, daquela menina tão bonita, naquele dia tão cinza, ainda segue interferindo nos meus mais cotidianos dos pensamentos.
Pois lá estava eu, então, na estação rodoviária da cidade, molhado, e com uma mochila nas costas. Faltava pouco para o ônibus em que eu embarcaria sair, mas ele ainda não tinha estacionado à minha frente. Eu comia um pacote de biscoitos e guardava um outro para a viagem. Tomava uma coca-cola também. E esperava, nada mais.
Sentada num banco, com os cotovelos sobre os joelhos, uma guria olhava para o lado oposto ao que eu me encontrava. Olhava, às vezes me parecendo bastante atenta ao que via, noutras me parecendo distraída, embora eu ainda não tivesse visto seu rosto. De repente, ela se virou, e pude, enfim, olhar sua face: era uma moça muito bonita, de seus dezesseis, dezessete anos. Um rosto de formas suaves, olhos claros, cabelos loiros e longos escorridos para suas costas, exceto por uma mecha que lhe caía até a boca. Olhou para o meu lado sem se focar, e se voltou novamente para o outro.
Seu movimento talvez não tenha sido tão veloz quanto me pareceu, mas, na minha cabeça, foi muito, muito rápido. Reparei tudo que descrevi em questão de segundos, de décimos de segundo. Seu movimento só não foi mais rápido que a minha capacidade de guardar cada detalhe de sua fisionomia. Depois daquele breve momento, só pude continuar a reparar unicamente nos seus cabelos, no seu casaco verde e fofo, e nas suas mãos delicadas que se apoiavam uma na outra sobre suas pernas.
Então, o ônibus chegou. Voltei à realidade, e fui um dos primeiros a embarcar. Embora estivesse ficado muito impressionado com a beleza da moça, não me senti impedido por nada a subir ao ônibus e querer chegar rápido ao meu destino. Subi e me dirigi ao fundo do coletivo, a um assento próximo ao corredor. Esperei, pensando noutras coisas, pelos demais passageiros, até ver, entre eles, aquela guria bonita. Parecia sozinha e despreocupada com qualquer coisa, com o mesmo olhar sem foco definido. Sua única ação mais brusca foi a de colocar a sacola que trazia sobre o banco, muito à frente do meu. Ela sentou, e sumiu entre as poltronas.
A viagem que fiz não foi curta em percurso nem em tempo. E durante toda ela, aquela moça bonita não levantou nenhuma vez de seu banco, tampouco deixou mostrar seus cabelos aos passageiros de trás, nenhum movimento saliente, enfim. Parecia que não havia ninguém naquele banco. Mas, assim como o olhar daquela menina na minha direção, a viagem também pareceu ter sido muito rápida. E quando chegamos, tentei ser um dos primeiros a sair, a fim de passar pelo seu banco antes que ela desembarcasse. Porém, quando cruzei por ele, a guria não estava mais lá. Não sei o que aconteceu, se ela desceu antes ou durante a viagem, em alguma parada pela estrada. Ela simplesmente não estava mais lá, como se o banco estivesse ficado, de fato, vazio durante a viagem inteira.
Ao descer, não fiquei nada mais que curioso sobre como, mesmo tendo ficado atento a ela durante todos os instantes, havia perdido o momento de sua saída do ônibus. Teria sido alguma distração mínima minha, algo assim. Segui andando para meu destino, sem pensar mais nisso. Achei que aquele fato jamais me preocuparia. Ao escrever essa crônica, todavia, é que percebo o quanto estive enganado esse tempo todo, e o quanto aquele simples, rápido e despropositado movimento, daquela menina tão bonita, naquele dia tão cinza, ainda segue interferindo nos meus mais cotidianos dos pensamentos.
2 comentários:
Será que não foi invenção da tua cabeça? Será que ela existia mesmo?
É difícil eu conseguir inspiração para uma crônica. Agora o que mais quero é escrever sobre outros assuntos, para sair um pouco do futebol. Mas domingo tem Grenal...
Abraços
Obrigada pela visita. Bonita a crônica : entender o instante no tempo é um exercício poético. Parabéns.
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