sexta-feira, junho 29, 2007

Dito e feito


"CONSUN aprova cotas na UFRGS
29/6/2007
Depois de seis horas de intensas discussões, o Conselho Universitário (CONSUN) aprovou a adoção do Programa de Ações Afirmativas da UFRGS, prevendo a reserva de 30% das vagas em todos os cursos de graduação para alunos autodeclarados negros e egressos de escolas públicas. Na coletiva de imprensa, realizada ao final da reunião, o reitor José Carlos Hennemann disse que a decisão fortaleceu o CONSUN e a comunidade universitária e que o próximo vestibular da UFRGS deverá ser mais estimulante para os estudantes afro-descendentes e egressos de escolas públicas. O programa será aplicado no Vestibular 2008."

Não às Cotas

Estou cada vez mais estupefato acompanhando o debate acerca das cotas raciais na UFRGS, universidade em que estou me formando. É impressionante como em pleno século XXI, com todos os avanços verificados nas ciências sociais nos últimos três séculos, esse tipo de debate ainda tenha alguma relevância na sociedade.

Um único argumento basta para me fazer ser contra a qualquer tipo de cotas, seja racial ou social: cotas não funcionaram em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época.

O que o mecanismo de cotas racial fará, na prática, é transformar a cor da pele de cada indivíduo em critério para seu ingresso na universidade. Isso é consenso tanto entre aqueles que são contra quanto entre aqueles que são a favor. A diferença é que os últimos acham isso bom, que se estará revertendo um processo histórico em que os negros e índios sempre ficaram desamparados. Agora, então, segundo a proposta que está sendo discutida, negros e índios dividirão 40% das vagas da universidade somente por serem negros e índios, sendo as outras 60% distribuídas pelo critério do vestibular, como é hoje com todas. Ou seja, negros e índios terão 40% das vagas da universidade reservadas para si simplesmente, como disse, por serem negros e índios. É a institucionalização do racismo no Brasil.

Se não bastasse a questão ética, há uma prática. Tu, leitor, te consideras de que raça? Não, não fica envergonhado, pois tampouco sei a minha. No nosso país, como sabemos desde Gilberto Freire, só há mulatos, uns mais brancos, outros mais pretos. Nem a genética salva, pois, de acordo com ela, existem variedades de seres humanos, não raças. Na nossa peculiar formação antropológica, então, conseqüência da suruba que foi nossa formação enquanto povo, como definir quem é negro e quem não é? A primeira solução apresentada foi a formação de um conselho de professores da universidade que definiria isso. Seria assim: os candidatos a uma vaga na UFRGS chegariam diante de uma mesa de professores e estes diriam se eles são negros ou não e, assim, se teriam direito às cotas ou não. Coisa semelhante se viu somente na Alemanha nazista. A nova proposta sugere que cada candidato defina sua própria raça e, portanto, se quer ou não participar do esquema das cotas, o que levará ao que ocorreu no Rio de Janeiro com aquelas meninas loiras e de olhos azuis que ingressaram na universidade via cotas. Elas simplesmente se achavam negras. Quem vai dizer que não? Um conselho de professores? É a típica regra burra que surge para ser burlada.

Alguns apontam à experiência dos EUA como exemplo bem sucedido de cotas raciais. Repito: cotas não funcionaram em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época. É importante dizer que nos EUA, ao contrário daqui, as raças sempre foram bem definidas entre negros e brancos. Elas não se misturaram, e isso torna a aplicação de cotas mais fácil. Mas mesmo lá, as cotas serviram para acirrar o conflito racial e fazer crescer o problema que visava solucionar. Se não bastasse isso, ontem a suprema corte norte-americana aboliu o sistema de cotas das escolas por considerá-la anticonstitucional. O que provocou isso foi o fato de três famílias brancas terem entrado na justiça por não terem conseguido vagas para seus filhos em escolas porque elas estavam reservadas para negros. A alegação da suprema corte foi a de que um país livre não pode ver a cor de seus cidadãos e utilizar isso como critério para se ingressar ou não numa escola. Enquanto lá as coisas andam numa direção, aqui andam noutra.

Ora, é evidente que negros compõem a grande massa da população pobre brasileira. Não nego que eles estiveram à margem do progresso do nosso país, e as estatísticas mostram isso claramente. Se considerada somente a nossa população branca, por exemplo, o Brasil seria o 40° país de melhor qualidade de vida do planeta; os níveis de desemprego são maiores entre a população negra; e os negros são as maiores vítimas da violência. Mas há um outro aspecto a ser considerado: existe uma ferramenta chamada matriz de mobilidade social, calculada também pela ONU, que indica o nível de mobilidade social existente num país ou região, ou seja, a freqüência com que integrantes da parcela mais rica da população se movem à mais pobre e vice-versa. De acordo com ela, o Brasil é um dos países de menor mobilidade social do mundo, distante enormemente de outros considerados desenvolvidos. Nesse contexto, é claro que negros, que inicialmente formaram a grande parte da população pobre brasileira, continuará formando a parcela mais pobre hoje em dia. O que explica isso é o nosso baixo nível de mobilidade social, e não a raça. O problema é mais profundo, do arcadismo do nosso capitalismo precário e tosco.

Logo, estamos combatendo um problema inexistente e com métodos equivocados, que somente vão ampliar o conflito racial no Brasil. Prova disso são as pichações racistas encontradas em torno da UFRGS nessa semana, de caráter praticamente inédito na história recente do nosso Estado.

Por fim, devermos ter claro na nossa mente qual é a função de uma universidade: desenvolver conhecimento. Estamos substituindo um critério claro e prático de ingresso nela, baseado em méritos num exame que é igual para todos, por outro racial. O trabalho e o mérito devem ser os mecanismos de ascensão social, onde a universidade é um caminho entre tantos, como ocorre em outros países. Colocar pessoas aos montes para dentro das universidades, independente de suas raças, não vai resolver nossos problemas econômicos. As cotas são mais um exemplo da covardia que nós, brasileiros, temos diante dos problemas do nosso país. Ao invés de enfrentarmos de frente as questões da educação e da imobilidade social, ficamos procurando “jeitinhos” de as resolver de maneira fácil, postergando para o futuro suas soluções reais e perpetuando nosso subdesenvolvimento.

Lamento muito que as cotas sejam aprovadas na UFRGS. Sim, pois se trata de um jogo de cartas marcadas: as cotas serão inevitavelmente aprovadas. As reuniões que estão sendo feitas são um faz-de-conta. Somente algum órgão extra-universidade, como algum tribunal, pode impedir sua implementação, pois todos os segmentos da universidade estão tomados pelo corporativismo pró-cotas oriundo de alguns segmentos influentes e dos movimentos estudantis.

Restam protestos isolados como esse.

quinta-feira, junho 28, 2007

Mais um blog

Recém iniciei um blog paralelo com meu colega de faculdade e amigo Guilherme Stein: o Punkonomics, a fim de discutir os benefícios do anarquismo e da economia de mercado. Acesse-o por aqui.

terça-feira, junho 26, 2007

sexta-feira, junho 22, 2007

O rápido gesto de uma guria bonita

O inverno daquele ano teve uma forma bem diferente da que com a qual o desse está começando. Não sei bem quando aquilo ocorreu, se há uma, duas, ou cinco temporadas. O tempo, no entanto, é suficientemente curto para que eu me lembre exatamente, com detalhes, do que aconteceu. Lembro, por exemplo, que o frio que abatia Porto Alegre naquele fim de junho era intensificado por uma chuvinha fina que umedecia toda a cidade. Aquelas bem fininhas mesmo, que nos convence da desnecessidade de se levar um guarda-chuva até percebermos estar completamente molhados.

Pois lá estava eu, então, na estação rodoviária da cidade, molhado, e com uma mochila nas costas. Faltava pouco para o ônibus em que eu embarcaria sair, mas ele ainda não tinha estacionado à minha frente. Eu comia um pacote de biscoitos e guardava um outro para a viagem. Tomava uma coca-cola também. E esperava, nada mais.

Sentada num banco, com os cotovelos sobre os joelhos, uma guria olhava para o lado oposto ao que eu me encontrava. Olhava, às vezes me parecendo bastante atenta ao que via, noutras me parecendo distraída, embora eu ainda não tivesse visto seu rosto. De repente, ela se virou, e pude, enfim, olhar sua face: era uma moça muito bonita, de seus dezesseis, dezessete anos. Um rosto de formas suaves, olhos claros, cabelos loiros e longos escorridos para suas costas, exceto por uma mecha que lhe caía até a boca. Olhou para o meu lado sem se focar, e se voltou novamente para o outro.

Seu movimento talvez não tenha sido tão veloz quanto me pareceu, mas, na minha cabeça, foi muito, muito rápido. Reparei tudo que descrevi em questão de segundos, de décimos de segundo. Seu movimento só não foi mais rápido que a minha capacidade de guardar cada detalhe de sua fisionomia. Depois daquele breve momento, só pude continuar a reparar unicamente nos seus cabelos, no seu casaco verde e fofo, e nas suas mãos delicadas que se apoiavam uma na outra sobre suas pernas.

Então, o ônibus chegou. Voltei à realidade, e fui um dos primeiros a embarcar. Embora estivesse ficado muito impressionado com a beleza da moça, não me senti impedido por nada a subir ao ônibus e querer chegar rápido ao meu destino. Subi e me dirigi ao fundo do coletivo, a um assento próximo ao corredor. Esperei, pensando noutras coisas, pelos demais passageiros, até ver, entre eles, aquela guria bonita. Parecia sozinha e despreocupada com qualquer coisa, com o mesmo olhar sem foco definido. Sua única ação mais brusca foi a de colocar a sacola que trazia sobre o banco, muito à frente do meu. Ela sentou, e sumiu entre as poltronas.

A viagem que fiz não foi curta em percurso nem em tempo. E durante toda ela, aquela moça bonita não levantou nenhuma vez de seu banco, tampouco deixou mostrar seus cabelos aos passageiros de trás, nenhum movimento saliente, enfim. Parecia que não havia ninguém naquele banco. Mas, assim como o olhar daquela menina na minha direção, a viagem também pareceu ter sido muito rápida. E quando chegamos, tentei ser um dos primeiros a sair, a fim de passar pelo seu banco antes que ela desembarcasse. Porém, quando cruzei por ele, a guria não estava mais lá. Não sei o que aconteceu, se ela desceu antes ou durante a viagem, em alguma parada pela estrada. Ela simplesmente não estava mais lá, como se o banco estivesse ficado, de fato, vazio durante a viagem inteira.

Ao descer, não fiquei nada mais que curioso sobre como, mesmo tendo ficado atento a ela durante todos os instantes, havia perdido o momento de sua saída do ônibus. Teria sido alguma distração mínima minha, algo assim. Segui andando para meu destino, sem pensar mais nisso. Achei que aquele fato jamais me preocuparia. Ao escrever essa crônica, todavia, é que percebo o quanto estive enganado esse tempo todo, e o quanto aquele simples, rápido e despropositado movimento, daquela menina tão bonita, naquele dia tão cinza, ainda segue interferindo nos meus mais cotidianos dos pensamentos.

segunda-feira, junho 18, 2007

Por que acreditamos?

Nos últimos dias, todos nós, gremistas, volantes de contenção, viemos recebendo mensagens por e-mail, pelo MSN, correntes, simpatias, argumentos estatísticos e históricos, tudo que possa indicar que o Grêmio ainda pode ser campeão da Libertadores. Perguntado sobre isso no último sábado, entre goles de cerveja e vinho, respondi que “sou suficientemente consciente para entender o tamanho da dificuldade, mas enormemente mais político para jamais admitir a possibilidade da derrota”. Foi uma daquelas frases simples e geniais que de maneira nenhuma representam algum mérito meu, mas sim da visão apurada que o álcool nos traz.

Mas fato é que, no fundo, bem lá no fundo, todo gremista está pensando assim. Trata-se da idéia de que nossa descrença aumentará ainda mais os obstáculos. Porque todo gremista é, em algum grau, um fundamentalista, e é por isso que ninguém gosta de gremista – não há como conversar civilizadamente com um fundamentalista, com um religioso, que não consegue ver o futebol como um jogo de lógica. E, acreditemos, é essa fé, sim, que move o Grêmio. Não sabemos na verdade se é ela que realmente faz o Grêmio vencer, se existe alguma explicação científica para as façanhas que o Grêmio consegue fazer, não sabemos de nada. Mas, por alguma razão que, sinceramente, não interessa, essa fé faz do Grêmio mais forte, faz com que o Grêmio tente coisas aparentemente impossíveis e, incrivelmente, as consiga.

Ora, sabemos da dificuldade de vencer a Libertadores esse ano, mas nossa fé nos faz tão, mas tão ingênuos, que é capaz de a vencermos.

O Grêmio é o primeiro time pós-moderno do futebol. O Grêmio está conseguindo fazer o que a humanidade de hoje, filha da razão, do cientificismo, não consegue. O Grêmio não acredita na lógica, na racionalidade, em tudo que a modernidade nos trouxe e construiu nesse mundo careta e covarde de hoje. O Grêmio quebra a ordem, ignora os manuais, destrói a razão, a linearidade. O Grêmio não acredita em método, mas em espírito, em metafísica. O Grêmio move o mundo pela força de sua fé inaudita, na crença de que é capaz, ao se ver como gigante, e não como um simples moinho de vento. É isso que faz do Grêmio forte: ele simplesmente acredita que é forte. Nós acreditamos no Grêmio, nós somos ingênuos, estúpidos, ignorantes, fervorosos, e, por isso, tudo, eu disse tudo, nos parece possível, tanto a ponto de conseguirmos.

Temos certeza de que o Grêmio vai ser campeão na quarta-feira. É obvio! Nós, gremistas, sempre acreditamos! Não importa o por quê.

sexta-feira, junho 15, 2007

O tamanho da riqueza do Brasil II

Em seu blog, Davi Zell, que trabalhou junto com o professor Monastério na construção do mapa da postagem anterior, publicou um novo, com dados mais atualizados - embora eu não saiba ao certo o que foi atualizado. Lá, como fez meu amigo Ricardo Martini aqui, foi sugerido que os mapas expressariam melhor a realidade se feitos com os PIBs per capita. De qualquer forma, o novo mapa segue abaixo:Por curiosidade, também dos blogs de Monastério e Zell, a mesma idéia aplicada aos EUA (o Brasil se equivale ao estado de Nova York):

Acesse o blog de Davi Zell por aqui.

quinta-feira, junho 14, 2007

O tamanho da riqueza do Brasil

Descobri recentemente que o professor de Economia da UFPel Leonardo Monastério, com quem tive o prazer de trabalhar aqui na UFRGS, tem um blog para tratar de Economia Regional, Cliometria e Desenvolvimento Econômico. Muitas coisas interessantes se encontram lá. Uma delas é o mapa abaixo, que compara os PIBs dos estados brasileiros a equivalentes de países:
Acesse o blog do professor Monastério por aqui.

sexta-feira, junho 01, 2007

A Cidade

Poucas coisas nos fazem observar a cidade. Às vezes, tenho a impressão de que a cidade é invisível aos olhos de alguns ou, quem sabe, aos olhos de muitos. Percebo isso quando alguém me pergunta onde há, sei lá, uma padaria, e não sei responder que há uma ao lado da minha casa; ou quando preciso de uma farmácia e me surpreendo ao encontrar uma na rua pela qual sempre passo, sem nunca a ter visto antes. A cidade é mesmo invisível.

Nunca mais caminhei pela cidade. Passo por algumas de suas ruas, geralmente as mesmas, sempre a pé, mas caminhar pela cidade, isso faz tempo que não faço. Não sei o que há na rua atrás da que moro, ou mesmo se há uma rua lá. Não sei se há ruelas, se é um bairro bonito ou feio. Vivo na cidade, estou enjoado dela, não a tolero mais, mas não a conheço, não a vejo.

Não sei descrever as pessoas que vivem na cidade. Não sei como são, o que fazem, do que gostam. Não sei o que pensam, nem sequer se falam a mesma língua que eu. Nunca conversei com elas. Elas simplesmente... passam. Não conheço suas cores, seus cabelos, seus rostos. Não sei como são as mulheres da cidade, seus jeitos, suas delicadezas, formas e belezas. Tampouco tomo tragos com seus homens, não conheço o poder de suas amizades, de suas crenças, ou a história de suas vidas.

Nem mesmo conheço as velocidades da cidade, suas sujeiras, suas podridões, suas avenidas desumanas, sem humanos. Não conheço suas pobrezas, suas maldições, seus casarões velhos e assombrados, seus monumentos destruídos. Não conheço seus heróis mortos, nem seus novos heróis, descrentes de suas lutas.

Não conheço nada da cidade. Não conheço suas fontes, suas águas, seus dias ensolarados. Não conheço suas crianças, suas praças, suas almas, animadas ou não. Realmente não conheço nada da cidade. Não conheço sequer a minha estrangeirice, ou a estrangeirice dos outros perante meu mundo pequeno, abafado e de portas pesadas.