quinta-feira, janeiro 25, 2007

imPACto

Demorou, mas finalmente ficamos conhecendo nessa semana o tal PAC – Plano de Aceleração do Crescimento. Como tudo no governo Lula, o nome é pomposo; a expectativa, grande e duradoura (desde novembro); e a realidade, pouco promissora. O plano é bom, mas ainda tem que tomar muito todinho para fazer o Brasil crescer 5% ao ano como quer o governo.

O PAC consiste na junção de vários projetos de investimento sob uma única denominação – o que também já é praxe nesse governo – bem ao estilo Bolsa Família: junta-se um monte de programas que já existem e o transformam num só, com um novo nome. O PAC é a mesma coisa: juntou-se os planos de investimentos da União, das estatais, algumas medidas de estímulo ao crédito e de desoneração tributária, e fez-se o PAC. Além disso, conta com a boa vontade dos estados e o animal spirit dos empresários. Se tudo isso acontecer, a soma de investimentos alcançará a considerável quantia de R$ 503,9 bilhões até 2010.

A Petrobrás contribuirá com a maior parte dos recursos: cerca de R$ 274,8 bilhões, ou seja, mais da metade dos investimentos. Somente R$ 67,8 bilhões sairão do caixa do Governo Federal. Serão feitas também políticas fiscais, como a redução das alíquotas do PIS e Cofins para alguns setores pontuais da economia, além do reajuste anual de 4,5% na tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física até 2010. Essas são medidas que visam injetar dinheiro na economia e, assim, aumentar seu nível de consumo, seja através do aumento dos gastos do governo, seja através da redução de impostos.

Para que as empresas aumentem seus gastos, no entanto, é necessário que haja um melhor ambiente para o investimento, que as empresas tenham expectativa de retorno do dinheiro que gastarão. O PAC cuida dessa questão de forma tímida, ao regulamentar o artigo 23 da Constituição que trata, entre outras coisas, da proteção ao meio ambiente, e da Lei do Gás Natural. Também será reestruturado o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Acompanhando isso, haverá medidas de estímulo ao crédito, como a criação do Fundo de Investimento em Infra-Estrutura com recursos do FGTS, aumento dos créditos cedidos pela Caixa Econômica Federal ao saneamento básico e à habitação, além da redução gradual da Taxa de Juros de Longo Prazo.

Por fim, foram tomadas medidas que visam frear o aumento das despesas públicas, como a fixação do limite de 1,5% mais a variação do IPCA para o crescimento da folha de pagamento da União, que valerá por 10 anos. Com esse mesmo fim, até 2011, o salário mínimo será corrigido pelo INPC mais a taxa de crescimento do PIB dos dois anos antecedentes.

Enfim, coisas desse tipo...

As medidas do PAC são importantes, pois sinalizam a disposição do governo em fazer o país crescer, mas de maneira nenhuma garantem isso. Primeiro, porque o PAC conta com a contrapartida dos estados, que não têm recursos para investir o que lhe competem, e da iniciativa privada, sobre a qual o governo não tem controle. Depois, porque, mesmo que o plano ocorra como o planejado e todos os agentes façam suas partes, os R$ 503,9 bilhões não são suficientes para, sozinhos, fazer o país alcançar os 5% de crescimento ao ano. Outras coisas precisam acontecer ao mesmo tempo, pois o PAC, de maneira nenhuma, resolve os problemas que realmente travam a economia brasileira.

Essas “outras coisas” são muitas. Algumas delas, e as mais urgentes, se resumem nas chamadas reformas. O Brasil precisa urgentemente, por exemplo, de uma reforma em seu sistema previdenciário, de forma que este se torne auto-sustentável e para que o governo não precise mais destinar cerca de 45% de seu orçamento para cobrir o déficit da previdência. Com essa grana em mãos (e não no déficit da previdência), o governo poderia, daí sim, aumentar seus investimentos, de forma muito mais ambiciosa do que faz o PAC. Outra reforma urgente é a tributária, que vise facilitar a produção no país e tornar a cobrança de impostos mais progressiva, organizando também as responsabilidades sobre tributos e despesas entre a União, os estados e os municípios.

Organização, aliás, é um termo que falta ao nosso país. A atuação do Estado sobre a economia brasileira é muito desorganizada, e isso se transforma em burocracia que impede o dinamismo necessário para que haja crescimento. Isso se reflete em todos os setores estatais e acaba sendo transferido ao andamento das atividades econômicas, que também se tornam burocratizadas, ineficientes e pouco competitivas, prejudicando tanto o produtor quanto o consumidor.

Nesse contexto, entra também a reforma trabalhista, que deve visar facilitar as relações de trabalho e agregar trabalhadores à formalidade. Hoje, no Brasil, cerca da metade dos trabalhadores não estão legalizados devido à burocracia e aos custos que recaem sobre o trabalho formal. Isso contribui para o déficit da previdência, além de deixar na insegurança milhares de trabalhadores que não têm acesso a direitos.

Em outras palavras, o importante é compreendermos que crescimento econômico se faz através de uma série de fatores, e não de uma medida ou outra, de forma isolada. Da mesma forma que salientei outras vezes que não será a queda da taxa de juros que fará o país crescer, digo que tampouco será o PAC o responsável por isso. Essas são apenas medidas pontuais que somente surtirão efeito se forem acompanhadas por outras que realmente aperfeiçoem a economia brasileira. O Brasil ainda é um país muito fechado ao comércio internacional, que tem instabilidade jurídica e institucional em suas relações econômicas, burocrático em todas as suas instâncias, que sofre com a corrupção, com a alta carga tributária, com a desigualdade social e a pobreza extrema. O crescimento econômico passa pela solução prévia desses problemas, e não o contrário, como muitas vezes se imagina.

Outro exemplo claro disso é a questão da educação: o trabalhador brasileiro tem em média 6 anos de escolaridade de má qualidade. Crescimento sustentável de 5% ao ano, assim, só se for um estupro como foi no passado, quando crescemos em média 7% ao ano ao custo de desigualdade social, pobreza, dívida externa, destruição do meio ambiente, urbanização descontrolada e estagflação nos anos seguintes.

O PAC, portanto, é positivo, mas precisa ser acompanhado de reformas importantes no país. E reformas não se referem somente à previdência, aos tributos, ao trabalho ou à política. Temos que reformar nosso judiciário regressivo, burocrático e corporativista. Temos que reformar nossa distribuição de renda, que nos faz o país mais injusto do mundo. Os investimentos públicos devem ser reformados, visando atender à população mais necessitada e economicamente insegura, a fim de reduzir a pobreza. Enfim, que o PAC seja só o início de uma série de aperfeiçoamentos que nos conduzam verdadeiramente ao crescimento e ao desenvolvimento.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Filhos da Razão

Já faz um tempo, numa entrevista de um diretor de teatro no programa Provocações, da TV Cultura, o apresentador Antônio Abujamra fez um comentário mais ou menos nessas palavras: “O pior é saber que nós, nas nossas idades, ainda somos os mais modernos. Onde está a juventude para nos contestar, para nos desrespeitar, para nos mostrar que estamos errados?”.

Sempre fui um defensor da minha geração. Nunca admiti que um velho falasse que a juventude de hoje é isso ou aquilo, que é alienada, despolitizada. Que moral têm os velhos para falar de nós, jovens? Quais eram os seus desafios e quais são os nossos? Se existe uma coisa que odeio é aquele papo de velho ao estilo “meu jovem, ouça a voz da experiência...”.

Essa tal “voz da experiência” é um câncer do qual a sociedade tem que se curar o quanto antes.

É impressionante ver como nossos pais realmente acham que mudaram o país e o mundo. Falam de Woodstock, da revolução sexual, da luta contra a ditadura. Acham que a vida antes era mais difícil. Coitados... Não sabem nada do hoje, e ainda querem nos dar conselhos.

A liberdade sexual está aí, a ditadura se foi, e o mundo da Guerra Fria fala na irreversibilidade da globalização. E nós, como estamos? Temos tudo e nada ao mesmo tempo.

Os que dizem que a vida dos jovens hoje é mais fácil não têm idéia do que é viver sem causa, numa época que não pensa, que não reflete. Faço parte da juventude mais revolucionária de todos os tempos, mas que não tem inimigo. Não sabemos contra o que lutar. Vivemos na era da descrença: as religiões são uma farsa; a política, uma hipocrisia; e os sonhos, ilusões. Isso é que a juventude pensa, e de forma cada vez mais individualista.

Deve ser muito bom acreditar que é possível mudar o mundo, mesmo que o preço disso seja um pouco de ingenuidade. Somos, no entanto, os filhos da razão: céticos, perdidos e sedentos de fé.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

O gongo está silenciando

Estamos às vésperas da eleição às presidências do Congresso Nacional. Para a da Câmara, três candidatos: Aldo Rebelo (PC do B), Arlindo Chinaglia (PT) e Gustavo Fruet (PSDB). Os dois primeiros, governistas. O terceiro, a “terceira (sic) via”, da oposição. Com exceção desse último, que se diz contra, os dois primeiros desconversam sobre a proposta apresentada no fim do ano passado de aumentar em 91% os salários dos congressistas. O mal pode estar voltando... Lembro os amigos leitores de que a decisão do STF que impediu o aumento na época foi temporária, podendo ser revertida a partir de fevereiro, com a nova bancada no poder.

Tanto Rebelo quanto Chinaglia estavam na lista dos líderes canalhas que votaram a favor do aumento, em dezembro. Ambos já pensando na eleição à presidência da Câmara, é claro. Agora, estão usando isso de novo como bandeira de campanha, já conquistando a “simpatia” dos demais partidos - até os da oposição, como o PFL e o próprio PSDB. Chináglia é o favorito e, para variar, é o único que discretamente se disse a favor do aumento, lá no início da campanha. A nós, falam pouco, mas entre eles é sabido: se qualquer um dos candidatos governistas ganhar, Chinaglia ou Rebelo, o aumento volta à pauta, e será outra daquelas guerras.

Não duvido que Fruet, na hipótese mínima de eleito, acabe concedendo o tal aumento àquela cambada de filhos da puta. Por via das dúvidas, nunca fui tão tucano como agora.

Estejamos atentos. MLST em prontidão.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Anorexia Social

As filhas do consumismo estão morrendo de fome. Nessa vez foi uma menina de 14 anos do Rio de Janeiro. No Brasil, é o sexto caso em cerca de dois meses. Gurias que, na ânsia de se tornarem modelos e viverem das passarelas e da moda, se sacrificam ao extremo e morrem. De fome.

Esse último caso foi pouco abordado na TV. A menina, negra e pobre, morreu por falta de diagnóstico da doença – media 1,70 metro de altura, pesada 38 quilos e três hospitais públicos disseram se tratar apenas de uma anemia. Isso pode ser, sim, uma das razões do silêncio da mídia, mas, pelo menos dessa vez, provavelmente não é a principal. Sendo este o sexto caso em tão pouco tempo, é natural que haja uma certa acomodação nossa em relação ao tema. Ainda bem, pois eu tampouco agüentaria muito debate acerca disso.

Nos poucos que houve, no entanto, o formato era mais ou menos o seguinte: um médico explicando a “modernidade” da doença e as formas de diagnóstico precoce, e um representante do “mundo da moda” argumentando a inocência de seu negócio e as exceções de que se tratavam aquelas meninas. A questão clínica do problema chamou minha atenção pela sua bizarrice; a da responsabilidade, pela reflexão. Devo concordar com os tais representantes do “mundo da moda”: eles não têm nada a ver com isso.

O “mundo da moda” nada mais é do que a caricatura de um paradigma social. O que tem matado as meninas não é o seu desejo de se tornarem modelos, mas toda uma concepção de valores e ideologias que pairam hoje na sociedade de consumo. Atualmente, as culturas de massa – através de todos os seus meios, como TV, rádio, música, cinema etc – nos impõem um padrão de felicidade que por nós é absorvido como uma essência humana. E esse padrão de felicidade inclui um estereotipo de beleza física que passa a ser perseguido a qualquer custo como um valor social. As meninas estão morrendo, logo, não devido a um esforço inaudito em busca de sucesso profissional, mas porque querem se adaptar a esse padrão de beleza que recebem todo dia pelas culturas de massa.

Essa idéia fica mais clara quando lhes perguntamos quais são seus exemplos de mulheres a serem admiradas e imitadas. Todas as respostas se referirão a modelos de moda, cantoras pop, enfim, as chamadas “artistas” ou celebridades. As crianças consomem beleza e moda desde pequenas: a Barbie é loira, de olhos azuis, e rica; o que se vende hoje às crianças não são brinquedos, mas o “vestidinho da Xuxa”, a “sandalinha da Eliana” e a “bolsinha da Angélica”; a Carla Perez é apresentadora de programa infantil. Essas formam o padrão de personalidade a ser imitado. Ou seja, os valores sociais – aquilo que se considera bom, bonito, honroso, digno de reconhecimento – estão completamente distorcidos. A distorção, todavia, não é na atitude de morrer por um objetivo, mas em que objetivo é esse. Madame Curie, por exemplo, uma cientista polaca vencedora de dois Prêmios Nobel, também morreu devido ao exercício exaustivo de sua profissão, de câncer. Essa, no entanto, não é apontada como um modelo de mulher a ser seguido.

Nunca vi ninguém se matar de tanto ler Kant ou, trazendo para uma dimensão mais terrena, de tanto estudar para uma prova ou para um concurso. Se matar para ficar bonita, no entanto, já temos meia dúzia de casos em dois meses. Isso simboliza a diferença de importância que as pessoas dão às coisas: hoje, ser bonito é mais importante que adquirir cultura, que adquirir capacidade de reflexão, que adquirir conhecimento. Ser bonito é mais importante que viver. Em nada nos adianta viver se não somos bonitos, se a nossa beleza não está enquadrada aos moldes determinados pela sociedade de consumo, pois nossa felicidade e relações sociais dependem disso. Essa é a ideologia que as culturas de massa nos impuseram.

E não são somente as aspirantes a modelo que são mortas pela sociedade de consumo. A violência mata muito mais que a anorexia. As drogas, inclusive o álcool e o cigarro, também. Tudo isso em nome de um estereotipo de felicidade que nos foi imposto, do consumir pelo consumir, do ter antes do ser. Essa crise social necessita de uma mudança de valores, de ídolos para as pessoas. As meninas devem desejar ser grandes médicas, advogadas, engenheiras, e não “artistas de TV”. As modelos não podem ser mais as de moda. Precisamos de novos ídolos, novos ícones, com outros valores, que possam servir, agora sim, de modelos de verdade.