quinta-feira, setembro 27, 2007

Fim

Estou encerrando, com essa postagem, o Pensamentos do Mal. Acredito que esse blog não mais expressa o que penso, da forma em que penso. Nos últimos tempos, as idéias na minha cabeça, acho, têm se tornado mais nítidas, mas claras a mim mesmo, e o amálgama de assuntos que aqui se encontram, sob os enfoques em que me expressei, não me confortam mais a partir dessa nova fase dos meus pensamentos, ainda e sempre, do mal.

Mas continuarei escrevendo. Agora, junto a grandes amigos, sou um dos Vagabundos Iluminados, num espaço dedicado à literatura barata, via pequenos contos toscos e crônicas sobre banalidades do cotidiano.

Espero encontrá-los também lá! Abraços a todos!

segunda-feira, setembro 17, 2007

Sobre a Nudez e Nelson

Tive a feliz oportunidade de assistir ontem a peça Toda a Nudez Será Castigada, dentro das atividades do Porto Alegre em Cena, do genial Nelson Rodrigues. Passei o fim de semana inteiro na capital, o iniciando com um concurso no sábado de manhã, passando pela Bienal à tarde, e à noite pelos bares, repetindo essa rotina com poucas variações até às três da manhã dessa segunda-feira. Ontem, então, deixei o grenal de lado e fui ao teatro. Não me arrependo de nada: meu time venceu mesmo sem minha ajuda espiritual, e vi uma espetacular obra, que me deixou zonzo de tanta beleza ao seu fim, apesar das desconfortáveis galerias do Teatro São Pedro.

Escolhi essa peça pelo autor, pela sua fama. Foi o poder da marca. Estou numa fase da minha vida em que me forço a assistir certas coisas, ler certos livros, ver certas cenas, pela pura experiência de viver esses momentos. Essa filosofia vale para tudo, da arte ao sexo. Toda a Nudez Será Castigada mistura os dois.

O enredo é de difícil explicação. Só para matar minimamente a curiosidade do leitor que não o conhece, é mais ou menos assim: Um viúvo promete ao filho jamais ter outra mulher em memória à esposa defunta; de tanta depressão, procura uma prostituta, por quem se apaixona; o filho, virgem por convicção ética, os vê aos amassos no jardim da casa, sai furioso, briga na rua, é preso e estuprado na cadeia por um boliviano; para se vingar, lhe sugere que se case com a prostituta para, após o casamento, cornear o próprio pai; quando isso começa a ocorrer, a prostituta é quem se apaixona pelo guri, que, todavia, foge com o seu estuprador boliviano; a prostituta morre sozinha e infeliz. Em poucas e soltas frases, é isso. Nelson Rodrigues na veia.

Sou um leigo em teatro. Estou tentando aprender a admirar essa forma de arte, que comecei a prestigiar a pouco tempo, diga-se de passagem, graças ao Porto Alegre em Cena, há dois anos. Talvez por isso tenha ficado tão impressionado com tudo que vi, e não falo somente dos inúmeros seios nus expostos pelas atrizes belíssimas da peça, mas pela atuação, pela história, pela música, pelos sons, pelas luzes, pela maneira como as cenas se sucediam.

Sobre Nelson Rodrigues, o que conheço é sua exposição da hipocrisia existente na sociedade. Tamanha exposição que alguns o até confundem com moralista. Se eu não tivesse ouvido dele mesmo (numa gravação de TV, é claro) sua auto-declaração de direitista, jamais diria que ele o era, pois não vejo nenhuma defesa do moralismo em seu trabalho. Pelo contrário, ao expor a hipocrisia social - como a do jovem virgem que foge com seu estuprador - escancara a fragilidade da sociedade de aparências e fingimentos em que vivemos. A prostituta, por sua vez, é quem ama de verdade. Nelson Rodrigues foi deveras um pensador do mal.

Não estou com essa postagem recomendando a leitura de Nelson Rodrigues tampouco a peça que vi – até porque os ingressos do festival já estão esgotados. Estou apenas me exibindo. Hoje é dia de Navalha na Carne.

segunda-feira, setembro 10, 2007

Mapa da Fome

Mapa da Fome desenvolvido pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations) com dados de 2003:

No site da FAO há uma versão animada desse mapa que mostra sua evolução desde 1970. Acesse-o por aqui.

Consciência

É muito estranho se deparar com a morte.
Tudo é tão rápido, tão instantâneo.

Lembro de não ter sentido dor por momento algum.
Não tive medo, nem angústia, nem nada.
Somente a certeza da inevitabilidade:

Não foi dessa vez, não foi dessa vez...

quarta-feira, agosto 29, 2007

Em que Deus eu acredito?

Em mais uma madrugada insone, misturada ao frio entorpecedor que assola nosso Estado, lembrei de um desafio “bloguístico” repassado pelo Cão Uivador, e meu grande amigo, Rodrigo Cardia já há um tempo, sobre o qual havia pensado mas não transcrito, tampouco esclarecido, à pena. Trata-se da questão que titula essa crônica, formato que caracteriza tantos outros textos aqui postados, pois nada mais faço eu nessa página do que humildemente tentar responder a perguntas.

Objetivamente, sim, eu acredito em Deus. É um posicionamento político: nada mais contestador do que acreditar em Deus em pleno modernismo, em plena sociedade da razão. Porque hoje a moda é ser cético, ser agnóstico é fashion, e questionar a Bíblia dá respeito intelectual. Eu, então, como um neo-anarquista, contrário a tudo o que é consenso, acredito em Deus. É uma forma de resistência à cultura de massas. Afinal, como diz Rita Lee, hoje ser do contra é ser careta.

Fui educado numa tradição católica razoavelmente ortodoxa: fui batizado, fiz a primeira comunhão (e era um dos que mais assiduamente cumpria a obrigação de ir às missas de domingo), participava de novenas de natal, e até já fiz procissão para pagar promessa. Minha família, como toda a pretendente a estável, também é religiosa, se não nos compromissos, nos hábitos. Cumpre os dez mandamentos à risca, mesmo sem saber. Para ela, a novela das oito é uma coisa legal e a Madonna é uma depravada. Ou seja, uma família brasileira típica!

Mesmo assim, lembro de sempre ter tido a consciência de que a religião é uma historinha que se cria para explicar o mundo sob nossas concepções. E não digo isso em forma de crítica. É como o Lula que explica seu governo através do futebol. Se não fosse a metáfora, a interpretação de Deus pela hard science não conseguiria o apaziguamento de nossas angústias como a religião felizmente costuma fazer.

Sou um adepto da teoria do caos. Vejo Deus como um jogador de sinuca: ele dá a primeira tacada, e as bolas passam a se movimentar aleatoriamente pela mesa. É claro que a maneira de sua tacada, de alguma forma, tem influência sobre o movimento de todas as bolas, mas, depois dela realizada, elas simplesmente se movimentam por si, sofrendo influência umas das outras, mas não mais do jogador. Percebo um Deus pouco presente, e até pouco interessado, nas nossas coisas mundanas e mesquinhas, embora o reconheça como a origem, o impulso, o responsável pela direção de toda nossa existência.

Questões surgem dessa interpretação. A mais saliente talvez seja acerca de um destino, ou não, pré-determinado a todos nós. Será que as bolas têm capacidade de alterar seus próprios percursos ou estes estão rigidamente definidos pela tacada inicial? Não sei. Às vezes, por incrível que pareça a alguns, me é mais confortável acreditar em destino, pois me passa segurança, independentemente de qual seja o meu. Sermos os únicos responsáveis pelas nossas vidas é um peso muito grande a ser carregado.

Brinco que digo acreditar em Deus só para o caso de um dia, se candidato a presidente, ter alguma chance de me eleger. São os crentes que votam – nem todo mundo que acredita em Deus acredita na política, mas quem acredita na política acredita em qualquer coisa, até em Deus.

Bendita seja a tacada, amém.

sexta-feira, agosto 24, 2007

Onde está todo mundo?

Sigo lendo a lendária obra de Kerouac, On the Road, com a não menos lendária tradução do Eduardo Bueno, antes que ela vire filme. Recém terminei a primeira parte, aquela em que Sal retorna à Nova York fatigado, à casa de sua tia, após esmolar por uma passagem de ônibus na Times Square. Vinha de uma, digamos, decepcionante estada em Los Angeles, depois de cruzar o país aos poucos, devagar, como quem despe uma mulher.

Tenho um problema grave: costumo me entregar à arte que aprecio. Serve para todas elas, de filmes a livros, se não músicas. Se leio Marx, por exemplo, viro marxista por duas semanas, até começar a esquecê-lo, e substituí-lo por outra coisa. Com On the Road se passa o mesmo: ando me sentindo preso em casa, com vontade de cortar o país com dez reais na carteira e uma mochila nas costas, nada mais, tomando cervejas e conversando com cada garota que encontro pelo caminho.

Na história de Kerouac, logo que Sal retorna à sua cidade, olha para os lados angustiadamente procurando seus amigos, como se eles necessariamente estivessem à sua volta, ali. Pergunta-se onde está todo mundo, mas não encontra ninguém. Ninguém está ali com ele, mesmo cercado pela multidão que já se impõe nas metrópoles dos anos 50.

Na cadeira de História Econômica Contemporânea, vi que, quando estourou a Grande Depressão dos anos 1930, a frota de automóveis dos EUA era maior que a do Brasil de hoje. Somos, então, a América de meio século atrás, a América de Kerouac: sedenta por pôr o pé na estrada, por conhecer a si própria.

Mas, enquanto isso, estamos sós. Cercados por pessoas, mas solitários em nossos objetivos, em nossos planos, na nossa ausência de ideais. Onde estarão os mochileiros que descobrem o mundo com suas irresponsabilidades, com seus poucos centavos no bolso e sua simples vontade de descobrir a vida?

Parece que cruzamos o país enfrentando a fome, o trabalho nas plantações de algodão, a chuva e o deserto. Chegamos em casa, mas não encontramos ninguém.

quarta-feira, agosto 22, 2007

A menina que veio de longe

Há poucos dias, conheci uma menina que veio de longe, muito longe. Pra lá de onde os navios desaparecem, onde o sol nasce e se põe antes, onde os dias passam primeiro. Como é bom tê-la perto de mim, mesmo que por pouco tempo, por um tempo limitado. O mesmo tempo que lá, de onde ela veio, passa antes, como sua vida e a de seus conterrâneos, mais sortudos que eu, que com ela poderão mais tempo conviver. O mesmo tempo que lá passa antes.

Essa menina veio de muito longe com suas formas e gestos estranhamente belos para mim: Seu cabelo unicamente penteado, que circula suas orelhas, que, por sua vez, sustentam grandes brincos que visam tornar a silhueta de sua face ainda mais linda, como se isso fosse possível. E grande é o esforço que se faz para notar esses detalhes, pois seus olhos claros e lábios grossos atraem nossa atenção como um buraco negro que até a luz do universo prende em si. Seu corpo é de formas simples, cobertas por um mistério que desejamos desvendar em nossas madrugadas insones. Quantas cores têm! Todas talvez, perfeitamente combinadas, ali, numa pessoa só.

Será que no lugar de onde ela veio – longe, muito longe – a vida é bela como ela? Não... Não deve ser. A vida tende a ser igual em todos os lugares, independentemente do tempo passar antes ou depois. As melancolias das tardes chuvosas são atemporais e cidadãs do mundo. A não ser que não tratemos de um lugar físico, geográfico, mas de um lugar que imaginamos, que criamos em nossa cabeça, tão misterioso quanto essa menina que veio de longe, muito longe.

Porque ela pode não ser simplesmente uma pessoa especial, mas a personificação do que acredito inexistente, do que acredito impossível. É o que penso toda vez em que a vejo ir embora, após ouvir os seus “até logos” que se acumularão até uma despedida inevitável. E ela então partirá de volta à sua terra, e desaparecerá como os navios, a partir de quando eu poderei compartilhar com ela somente as tardes chuvosas.

Enquanto isso, ela segue aqui, ao meu lado, até o verão, quando rumará a climas menos hostis, como um pássaro que se vai e deixa o ninho desolado. E eu, sobre seus olhos claros e lábios grossos. Perto, sei, mas ao mesmo tempo, que lá passa antes, longe, muito longe.

quarta-feira, agosto 01, 2007

De volta, em tabletes...

Tirei meu anunciado tempo de férias. Mais tempo do que o anunciado, aliás. Estou voltando aos poucos, sem muita freqüência ainda, pois, depois que deixei a universidade, não tenho mais acesso irrestrito à internet. Nada sério, pouco a pouco vou me restabelecendo. Os Pensamentos do Mal, claro, continuam, embora menos expressados nos últimos dias.

E foi só eu me distrair para esse país virar de ponta cabeça! Não que seu equilíbrio dependa de mim (de maneira nenhuma), mas, exatamente quando eu quis aliviar a mente em momentos de tranqüilidade, as coisas passaram a acontecer. Foram tantas que um tipo de mídia como o blog teve que contar com a grande disposição e o árduo trabalho de seus escritores - o que, todavia, não ocorreu com este que vos escreve.

Em respeito aos meus colegas blogueiros, portanto, não tratarei de nenhuma dessas coisas importantes: acidente da TAM, corrupção na Assembléia gaúcha, Renan Calheiros etc. Só solicito, humildemente, que os culpados por tudo isso sejam presos. E que esse nosso governo irresponsável assuma, enfim, suas responsabilidades, porque pôr a culpa em deus ou na história é covardia.

Eu devo estar de mau humor mesmo. Essas pequenas férias não me acalmaram como pensei que iriam. Por exemplo, não suporto mais a voz do Lula. Não suporto mais nada nele! De um tempo para cá, comecei a reparar como ele fala errado, e o tempo todo! Não sei se ele que passou a falar assim, ou se eu que passei a reparar. E seus vícios, então? “Nesse país”, “ou seja”, “pobrema”, suas comparações com coisas bestas, e suas gesticulações com os dedos polegar e o indicador juntos. Que coisas irritantes!

Mas o Lula ainda é um ser abstrato: fica lá, na TV. Pior é quando começo a me aborrecer com as coisas que me cercam. Se isso acontece? Às vezes. Menos grave, é verdade. Pelo menos até o momento, não tenho vontade de espancar ninguém ao meu redor. Já o Lula...

Mas acabei falando, indiretamente, daquilo que não queria. Peço desculpas aos meus amigos. Sim, obrigado, já respirei fundo.

Está dado o sinal de vida. Por mais um tempo, como disse, continuarei pouco constante nessa página, enquanto minha conexão com o mundo não se restaurar. Nas oportunidades existentes até lá, algumas palavras, por poucas que sejam.

sexta-feira, julho 13, 2007

Para novos escritores...

O lançamento do primeiro volume da obra Ficção de Polpa nessa semana gélida de Porto Alegre deu publicidade a Fósforo, uma editora nova, criada e coordenada por jovens escritores de diferentes partes do país, mas com sede aqui, na nossa cidade.

A Fósforo está disponível para receber originais de pessoas que se atrevam com as palavras. É uma chance de sairmos do mundo virtual e irmos para os banheiros, redes e cabeceiras de gente de mau gosto. Acesse o site da Fósforo aqui.

Ah, defendi minha monografia hoje, há poucas horas. Tudo tranqüilo, mas preciso de um tempo de folga, reorganizar as idéias. Ou seja, uma semana no mínimo sem novas postagens. Acho que mereço.

terça-feira, julho 10, 2007

O Legado de Madonna

Na aula de espanhol de hoje, novamente causei polêmica. Tudo começou assim: a professora, dizendo que visava incentivar a treino da conversação, mas conscientes que estávamos de que se tratava unicamente de uma forma de improvisar a aula mal preparada, colocou questões de respostas difíceis a fim de que pudéssemos discuti-las. Nessa vez, a pergunta foi quem nos gostaria ser, se não fossemos nós mesmos. Praxe, mas deu certo. Todos falaram um pouco, inclusive eu. Comecei dizendo que escutei certa vez, de um professor de História, que a melhor época da humanidade foram os anos 60 (pílula anticoncepcional, revolução sexual, anarquismo na França, Woodstock, movimento hippie etc), e que, portanto, gostaria muito ter sido alguém naqueles tempos.

O problema foi quando tentei trazer o exemplo a períodos mais contemporâneos. Disse, na lata, que se pudesse ser alguém, seria (uma versão masculina, esclareci) a Madonna! Isso mesmo, a Madonna! Todos acharam engraçado, afirmando que ter o dinheiro dela realmente deveria ser algo muito agradável. Mas não permiti esse erro de interpretação da parte deles, e respondi que gostaria de ser a Madonna não pelo que ela tem, mas pelo que ela representa. O assunto foi ficando sério...

Antes de soltar minha teoria fatal e chocante - tudo isso com a modéstia que me caracteriza, é claro – ainda lhes recomendei calma, dizendo que costumava ofender algumas mulheres com o que pronunciaria a seguir. “Ofenda-nos”, respondeu a professora, nessas mesmas palavras. Daí, soltei: Madonna, para mim, é o estereotipo da mulher moderna, e todas, simplesmente todas, gostariam de sê-la!

Os risos voltaram. A primeira pergunta que fizeram, e para qual já tenho resposta pronta, porque é sempre a mesma, é se eu teria a Madonna como minha mulher. Ora, respondi, provavelmente não. As pessoas acham que é fácil ser marido da Madonna. Respondi que ainda sou demasiado primitivo para viver ao lado de uma mulher como ela, que meu machismo tosco não permitiria. Completei, todavia, que se tratava de um problema meu, e não dela.

Passaram a conversa adiante. Ninguém me deu bola. Somente no fim da aula um dos meus colegas veio falar comigo, dizendo que pensava o mesmo acerca do assunto. Acho que ele entendeu deveras a idéia. Àqueles que não tiveram a mesma habilidade mental que ele, explico-me.

A Madonna é tudo aquilo pelo qual os movimentos feministas lutam: independente, rica, inteligente, fala o que pensa e faz o que quer. Sexualmente, então, nem se fala: ela escolhe com quem quer trepar, trepa e ponto final, sem satisfações a ninguém! Mulher moderna de verdade! E dita moda, claro. Agora, resolveu que voltaríamos aos anos 70 e 80, e voltamos. Se a Madonna disse, está mais que dito, está feito, estejamos nós de acordo ou não.

A gente percebe o machismo das próprias mulheres quando conversamos com elas sobre esse tema. Pergunta, leitor, à tua mãe, irmã, namorada ou esposa, alguma amiga, o que ela acha da Madonna. Se ela responder que a acha uma depravada que não deu nenhuma contribuição à humanidade, essa mulher a quem perguntaste é uma machista, conservadora, eleitora dos Democratas e que merece ficar na cozinha pilotando fogão a vida inteira.

Ora, a Madonna tinha que ser a maior heroína das mulheres do século XXI, ou existe símbolo maior dos avanços feministas no mundo do que ela? A Madonna é uma das mulheres que mais influência exerce sobre os hábitos atuais que temos acerca dos gêneros e da sexualidade. A mulher moderna tenta fazer aquilo que a Madonna já fazia nos anos 80, enquanto desfilava em seu vestido de noiva em Like a Virgin sedutoramente; Erotica é chocante até hoje aos mais, digamos tímidos; Material Girl é a afirmação da mulher perante o capitalismo; e quem nunca teve um frio na espinha vendo o clipe de Like a Prayer, quando nossa musa beija o pé da imagem sacra?

Não sei por que há gente que acha isso feio. A Madonna é uma revolucionária, que alterou hábitos do mundo inteiro com sua postura e que permitiu às mulheres a quebra de muitos tabus. Até hoje ela choca: em sua última turnê, iniciada no ano passado e ainda não encerrada, seu show na Alemanha, um país bastante moderno intelectualmente, foi censurado. Imagino o que teria ocorrido se ela realmente tivesse vindo ao Brasil, onde não sei quem é mais conservador, se a esquerda ou a direita.

Enfim, é a minha teoria. Nas aulas de espanhol, onde costumo expô-la, tende a gerar um certo mal-estar entre as mulheres. São todas machistas! Feminista sou eu, que quero que a mulher moderna - independente, rica e inteligente – saia dando por aí.

Like a virgin.

sexta-feira, julho 06, 2007

A Burrice das Cotas

Uma amiga minha, a favor das cotas na UFRGS, argumentou da seguinte maneira: “A gente institui as cotas e vê o que acontece. Se der errado, a gente volta atrás.”

Às vezes tenho impressão que essas pessoas estão brincando com o país. O Brasil, agora, virou laboratório: a gente testa, faz experiências, brinca com a vida das pessoas.

As cotas mal foram implantadas e suas incongruências já estão estampadas na cara. A partir do ano que vem, 30% das vagas de todos os cursos estarão destinadas a negros, índios e estudantes de escolas públicas. Mais da metade disso, usando como critério simplesmente a cor da pele dos candidatos, ironicamente para combater o racismo.

As cotas são tão burras, mas tão burras, que ninguém sabe ao certo como serão aplicadas a partir do ano que vem, e, nas regras atuais, inúmeros problemas já foram detectados. Por exemplo, a partir de 2009, índio terá acesso a 10 vagas na universidade sem vestibular. Isso mesmo: sem vestibular! Índio entrará direto. Os outros, não. De novo, ironicamente para combater o racismo...

Se não bastasse, “descobriram” que nem todas as escolas públicas são ruins, e que o Colégio Militar, por exemplo, aprova praticamente todos seus alunos. Logo também vão descobrir que nem todo o negro é burro. Então, acharam uma solução: negros e estudantes de escolas públicas que fizerem a média para serem aprovados sairão das cotas e as liberarão a outros. Ou seja, na prática, instituíram mais um critério para ingressar nas cotas, além de ser negro, índio ou estudante de escola pública: não ter passado no vestibular. Quem passa, está fora das cotas. 30% das vagas de todos os cursos da UFRGS estão destinadas àqueles que não passarem no vestibular!

Da semana passada pra cá, algumas coisas começaram a ficar mais claras. Por exemplo, se entende melhor as cotas quando se sabe que o Governo Lula está condicionando o repasse de verbas à sua aprovação pelas universidades. As que não aprovam as cotas, não recebem grana. Por isso nossos pró-reitores estavam com tanta pressa em aprovar o projeto semana passada. O Governo Lula, covarde, não querendo se expor diante da opinião pública com essa proposta ridícula, repassou a responsabilidade às universidades. Em troca da aprovação, manda grana. Ou seja, as cotas estão sendo compradas com o dinheiro público. Ninguém está pensando nos negros, índios ou pobres; estão pensando em dinheiro, brincando irresponsavelmente com as instituições do país.

E em política, é claro. Ou melhor, em politicagem. Ano que vem teremos eleições municipais. Só quero ver quantos candidatos a vereador surgirão se dizendo que foram a favor das cotas, da inclusão do negro, da diversidade e blá blá blá. Todos do PSoL, do PSTU, do PT, de todos esses partidos que vivem da infiltração que têm na burocracia estatal e que, por isso, a defendem tanto com seus sindicatos e movimentos estudantis.

Mas eu tenho uma proposta: reservar uma cota exclusiva para negros, outra para índios e outra para brancos. Assim: se a população do RS é composta de 15% de negros, por exemplo, 15% das vagas na universidade seriam destinadas exclusivamente aos negros. Os negros fariam o vestibular normalmente e disputariam, entre si, esses 15% de vagas. O mesmo aconteceria com os índios e com os brancos: índio contra índio pelas suas cotas, e brancos contra brancos pelas suas. No final, estaria garantida a entrada de todas as raças na universidade, ponderada pelas suas representatividades na população. Todas as raças teriam suas cotas, e não só uma ou outra. Que tal?

Para encerrar, outra sugestão, também de um dos tantos amigos que tenho: “Tinha que ter cota pra mulher gostosa na Economia.”

quinta-feira, julho 05, 2007

Hey Ho, let's go (de novo)!

Em breve no Brasil, Ramones, it’s alive 1974 - 1996!

Um novo DVD duplo, contendo mais de quatro horas de apresentações ao vivo, desde seus primeiros shows no clássico CBGBs, em Nova York, até grandes palcos na Inglaterra, Alemanha, Suécia, Finlândia, Itália, Espanha e, é claro, do continente mais punk do mundo, Argentina.

Acesse o site oficial dos Ramones aqui.

sexta-feira, junho 29, 2007

Dito e feito


"CONSUN aprova cotas na UFRGS
29/6/2007
Depois de seis horas de intensas discussões, o Conselho Universitário (CONSUN) aprovou a adoção do Programa de Ações Afirmativas da UFRGS, prevendo a reserva de 30% das vagas em todos os cursos de graduação para alunos autodeclarados negros e egressos de escolas públicas. Na coletiva de imprensa, realizada ao final da reunião, o reitor José Carlos Hennemann disse que a decisão fortaleceu o CONSUN e a comunidade universitária e que o próximo vestibular da UFRGS deverá ser mais estimulante para os estudantes afro-descendentes e egressos de escolas públicas. O programa será aplicado no Vestibular 2008."

Não às Cotas

Estou cada vez mais estupefato acompanhando o debate acerca das cotas raciais na UFRGS, universidade em que estou me formando. É impressionante como em pleno século XXI, com todos os avanços verificados nas ciências sociais nos últimos três séculos, esse tipo de debate ainda tenha alguma relevância na sociedade.

Um único argumento basta para me fazer ser contra a qualquer tipo de cotas, seja racial ou social: cotas não funcionaram em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época.

O que o mecanismo de cotas racial fará, na prática, é transformar a cor da pele de cada indivíduo em critério para seu ingresso na universidade. Isso é consenso tanto entre aqueles que são contra quanto entre aqueles que são a favor. A diferença é que os últimos acham isso bom, que se estará revertendo um processo histórico em que os negros e índios sempre ficaram desamparados. Agora, então, segundo a proposta que está sendo discutida, negros e índios dividirão 40% das vagas da universidade somente por serem negros e índios, sendo as outras 60% distribuídas pelo critério do vestibular, como é hoje com todas. Ou seja, negros e índios terão 40% das vagas da universidade reservadas para si simplesmente, como disse, por serem negros e índios. É a institucionalização do racismo no Brasil.

Se não bastasse a questão ética, há uma prática. Tu, leitor, te consideras de que raça? Não, não fica envergonhado, pois tampouco sei a minha. No nosso país, como sabemos desde Gilberto Freire, só há mulatos, uns mais brancos, outros mais pretos. Nem a genética salva, pois, de acordo com ela, existem variedades de seres humanos, não raças. Na nossa peculiar formação antropológica, então, conseqüência da suruba que foi nossa formação enquanto povo, como definir quem é negro e quem não é? A primeira solução apresentada foi a formação de um conselho de professores da universidade que definiria isso. Seria assim: os candidatos a uma vaga na UFRGS chegariam diante de uma mesa de professores e estes diriam se eles são negros ou não e, assim, se teriam direito às cotas ou não. Coisa semelhante se viu somente na Alemanha nazista. A nova proposta sugere que cada candidato defina sua própria raça e, portanto, se quer ou não participar do esquema das cotas, o que levará ao que ocorreu no Rio de Janeiro com aquelas meninas loiras e de olhos azuis que ingressaram na universidade via cotas. Elas simplesmente se achavam negras. Quem vai dizer que não? Um conselho de professores? É a típica regra burra que surge para ser burlada.

Alguns apontam à experiência dos EUA como exemplo bem sucedido de cotas raciais. Repito: cotas não funcionaram em nenhuma parte do mundo, em nenhuma época. É importante dizer que nos EUA, ao contrário daqui, as raças sempre foram bem definidas entre negros e brancos. Elas não se misturaram, e isso torna a aplicação de cotas mais fácil. Mas mesmo lá, as cotas serviram para acirrar o conflito racial e fazer crescer o problema que visava solucionar. Se não bastasse isso, ontem a suprema corte norte-americana aboliu o sistema de cotas das escolas por considerá-la anticonstitucional. O que provocou isso foi o fato de três famílias brancas terem entrado na justiça por não terem conseguido vagas para seus filhos em escolas porque elas estavam reservadas para negros. A alegação da suprema corte foi a de que um país livre não pode ver a cor de seus cidadãos e utilizar isso como critério para se ingressar ou não numa escola. Enquanto lá as coisas andam numa direção, aqui andam noutra.

Ora, é evidente que negros compõem a grande massa da população pobre brasileira. Não nego que eles estiveram à margem do progresso do nosso país, e as estatísticas mostram isso claramente. Se considerada somente a nossa população branca, por exemplo, o Brasil seria o 40° país de melhor qualidade de vida do planeta; os níveis de desemprego são maiores entre a população negra; e os negros são as maiores vítimas da violência. Mas há um outro aspecto a ser considerado: existe uma ferramenta chamada matriz de mobilidade social, calculada também pela ONU, que indica o nível de mobilidade social existente num país ou região, ou seja, a freqüência com que integrantes da parcela mais rica da população se movem à mais pobre e vice-versa. De acordo com ela, o Brasil é um dos países de menor mobilidade social do mundo, distante enormemente de outros considerados desenvolvidos. Nesse contexto, é claro que negros, que inicialmente formaram a grande parte da população pobre brasileira, continuará formando a parcela mais pobre hoje em dia. O que explica isso é o nosso baixo nível de mobilidade social, e não a raça. O problema é mais profundo, do arcadismo do nosso capitalismo precário e tosco.

Logo, estamos combatendo um problema inexistente e com métodos equivocados, que somente vão ampliar o conflito racial no Brasil. Prova disso são as pichações racistas encontradas em torno da UFRGS nessa semana, de caráter praticamente inédito na história recente do nosso Estado.

Por fim, devermos ter claro na nossa mente qual é a função de uma universidade: desenvolver conhecimento. Estamos substituindo um critério claro e prático de ingresso nela, baseado em méritos num exame que é igual para todos, por outro racial. O trabalho e o mérito devem ser os mecanismos de ascensão social, onde a universidade é um caminho entre tantos, como ocorre em outros países. Colocar pessoas aos montes para dentro das universidades, independente de suas raças, não vai resolver nossos problemas econômicos. As cotas são mais um exemplo da covardia que nós, brasileiros, temos diante dos problemas do nosso país. Ao invés de enfrentarmos de frente as questões da educação e da imobilidade social, ficamos procurando “jeitinhos” de as resolver de maneira fácil, postergando para o futuro suas soluções reais e perpetuando nosso subdesenvolvimento.

Lamento muito que as cotas sejam aprovadas na UFRGS. Sim, pois se trata de um jogo de cartas marcadas: as cotas serão inevitavelmente aprovadas. As reuniões que estão sendo feitas são um faz-de-conta. Somente algum órgão extra-universidade, como algum tribunal, pode impedir sua implementação, pois todos os segmentos da universidade estão tomados pelo corporativismo pró-cotas oriundo de alguns segmentos influentes e dos movimentos estudantis.

Restam protestos isolados como esse.

quinta-feira, junho 28, 2007

Mais um blog

Recém iniciei um blog paralelo com meu colega de faculdade e amigo Guilherme Stein: o Punkonomics, a fim de discutir os benefícios do anarquismo e da economia de mercado. Acesse-o por aqui.

terça-feira, junho 26, 2007

sexta-feira, junho 22, 2007

O rápido gesto de uma guria bonita

O inverno daquele ano teve uma forma bem diferente da que com a qual o desse está começando. Não sei bem quando aquilo ocorreu, se há uma, duas, ou cinco temporadas. O tempo, no entanto, é suficientemente curto para que eu me lembre exatamente, com detalhes, do que aconteceu. Lembro, por exemplo, que o frio que abatia Porto Alegre naquele fim de junho era intensificado por uma chuvinha fina que umedecia toda a cidade. Aquelas bem fininhas mesmo, que nos convence da desnecessidade de se levar um guarda-chuva até percebermos estar completamente molhados.

Pois lá estava eu, então, na estação rodoviária da cidade, molhado, e com uma mochila nas costas. Faltava pouco para o ônibus em que eu embarcaria sair, mas ele ainda não tinha estacionado à minha frente. Eu comia um pacote de biscoitos e guardava um outro para a viagem. Tomava uma coca-cola também. E esperava, nada mais.

Sentada num banco, com os cotovelos sobre os joelhos, uma guria olhava para o lado oposto ao que eu me encontrava. Olhava, às vezes me parecendo bastante atenta ao que via, noutras me parecendo distraída, embora eu ainda não tivesse visto seu rosto. De repente, ela se virou, e pude, enfim, olhar sua face: era uma moça muito bonita, de seus dezesseis, dezessete anos. Um rosto de formas suaves, olhos claros, cabelos loiros e longos escorridos para suas costas, exceto por uma mecha que lhe caía até a boca. Olhou para o meu lado sem se focar, e se voltou novamente para o outro.

Seu movimento talvez não tenha sido tão veloz quanto me pareceu, mas, na minha cabeça, foi muito, muito rápido. Reparei tudo que descrevi em questão de segundos, de décimos de segundo. Seu movimento só não foi mais rápido que a minha capacidade de guardar cada detalhe de sua fisionomia. Depois daquele breve momento, só pude continuar a reparar unicamente nos seus cabelos, no seu casaco verde e fofo, e nas suas mãos delicadas que se apoiavam uma na outra sobre suas pernas.

Então, o ônibus chegou. Voltei à realidade, e fui um dos primeiros a embarcar. Embora estivesse ficado muito impressionado com a beleza da moça, não me senti impedido por nada a subir ao ônibus e querer chegar rápido ao meu destino. Subi e me dirigi ao fundo do coletivo, a um assento próximo ao corredor. Esperei, pensando noutras coisas, pelos demais passageiros, até ver, entre eles, aquela guria bonita. Parecia sozinha e despreocupada com qualquer coisa, com o mesmo olhar sem foco definido. Sua única ação mais brusca foi a de colocar a sacola que trazia sobre o banco, muito à frente do meu. Ela sentou, e sumiu entre as poltronas.

A viagem que fiz não foi curta em percurso nem em tempo. E durante toda ela, aquela moça bonita não levantou nenhuma vez de seu banco, tampouco deixou mostrar seus cabelos aos passageiros de trás, nenhum movimento saliente, enfim. Parecia que não havia ninguém naquele banco. Mas, assim como o olhar daquela menina na minha direção, a viagem também pareceu ter sido muito rápida. E quando chegamos, tentei ser um dos primeiros a sair, a fim de passar pelo seu banco antes que ela desembarcasse. Porém, quando cruzei por ele, a guria não estava mais lá. Não sei o que aconteceu, se ela desceu antes ou durante a viagem, em alguma parada pela estrada. Ela simplesmente não estava mais lá, como se o banco estivesse ficado, de fato, vazio durante a viagem inteira.

Ao descer, não fiquei nada mais que curioso sobre como, mesmo tendo ficado atento a ela durante todos os instantes, havia perdido o momento de sua saída do ônibus. Teria sido alguma distração mínima minha, algo assim. Segui andando para meu destino, sem pensar mais nisso. Achei que aquele fato jamais me preocuparia. Ao escrever essa crônica, todavia, é que percebo o quanto estive enganado esse tempo todo, e o quanto aquele simples, rápido e despropositado movimento, daquela menina tão bonita, naquele dia tão cinza, ainda segue interferindo nos meus mais cotidianos dos pensamentos.

segunda-feira, junho 18, 2007

Por que acreditamos?

Nos últimos dias, todos nós, gremistas, volantes de contenção, viemos recebendo mensagens por e-mail, pelo MSN, correntes, simpatias, argumentos estatísticos e históricos, tudo que possa indicar que o Grêmio ainda pode ser campeão da Libertadores. Perguntado sobre isso no último sábado, entre goles de cerveja e vinho, respondi que “sou suficientemente consciente para entender o tamanho da dificuldade, mas enormemente mais político para jamais admitir a possibilidade da derrota”. Foi uma daquelas frases simples e geniais que de maneira nenhuma representam algum mérito meu, mas sim da visão apurada que o álcool nos traz.

Mas fato é que, no fundo, bem lá no fundo, todo gremista está pensando assim. Trata-se da idéia de que nossa descrença aumentará ainda mais os obstáculos. Porque todo gremista é, em algum grau, um fundamentalista, e é por isso que ninguém gosta de gremista – não há como conversar civilizadamente com um fundamentalista, com um religioso, que não consegue ver o futebol como um jogo de lógica. E, acreditemos, é essa fé, sim, que move o Grêmio. Não sabemos na verdade se é ela que realmente faz o Grêmio vencer, se existe alguma explicação científica para as façanhas que o Grêmio consegue fazer, não sabemos de nada. Mas, por alguma razão que, sinceramente, não interessa, essa fé faz do Grêmio mais forte, faz com que o Grêmio tente coisas aparentemente impossíveis e, incrivelmente, as consiga.

Ora, sabemos da dificuldade de vencer a Libertadores esse ano, mas nossa fé nos faz tão, mas tão ingênuos, que é capaz de a vencermos.

O Grêmio é o primeiro time pós-moderno do futebol. O Grêmio está conseguindo fazer o que a humanidade de hoje, filha da razão, do cientificismo, não consegue. O Grêmio não acredita na lógica, na racionalidade, em tudo que a modernidade nos trouxe e construiu nesse mundo careta e covarde de hoje. O Grêmio quebra a ordem, ignora os manuais, destrói a razão, a linearidade. O Grêmio não acredita em método, mas em espírito, em metafísica. O Grêmio move o mundo pela força de sua fé inaudita, na crença de que é capaz, ao se ver como gigante, e não como um simples moinho de vento. É isso que faz do Grêmio forte: ele simplesmente acredita que é forte. Nós acreditamos no Grêmio, nós somos ingênuos, estúpidos, ignorantes, fervorosos, e, por isso, tudo, eu disse tudo, nos parece possível, tanto a ponto de conseguirmos.

Temos certeza de que o Grêmio vai ser campeão na quarta-feira. É obvio! Nós, gremistas, sempre acreditamos! Não importa o por quê.

sexta-feira, junho 15, 2007

O tamanho da riqueza do Brasil II

Em seu blog, Davi Zell, que trabalhou junto com o professor Monastério na construção do mapa da postagem anterior, publicou um novo, com dados mais atualizados - embora eu não saiba ao certo o que foi atualizado. Lá, como fez meu amigo Ricardo Martini aqui, foi sugerido que os mapas expressariam melhor a realidade se feitos com os PIBs per capita. De qualquer forma, o novo mapa segue abaixo:Por curiosidade, também dos blogs de Monastério e Zell, a mesma idéia aplicada aos EUA (o Brasil se equivale ao estado de Nova York):

Acesse o blog de Davi Zell por aqui.

quinta-feira, junho 14, 2007

O tamanho da riqueza do Brasil

Descobri recentemente que o professor de Economia da UFPel Leonardo Monastério, com quem tive o prazer de trabalhar aqui na UFRGS, tem um blog para tratar de Economia Regional, Cliometria e Desenvolvimento Econômico. Muitas coisas interessantes se encontram lá. Uma delas é o mapa abaixo, que compara os PIBs dos estados brasileiros a equivalentes de países:
Acesse o blog do professor Monastério por aqui.

sexta-feira, junho 01, 2007

A Cidade

Poucas coisas nos fazem observar a cidade. Às vezes, tenho a impressão de que a cidade é invisível aos olhos de alguns ou, quem sabe, aos olhos de muitos. Percebo isso quando alguém me pergunta onde há, sei lá, uma padaria, e não sei responder que há uma ao lado da minha casa; ou quando preciso de uma farmácia e me surpreendo ao encontrar uma na rua pela qual sempre passo, sem nunca a ter visto antes. A cidade é mesmo invisível.

Nunca mais caminhei pela cidade. Passo por algumas de suas ruas, geralmente as mesmas, sempre a pé, mas caminhar pela cidade, isso faz tempo que não faço. Não sei o que há na rua atrás da que moro, ou mesmo se há uma rua lá. Não sei se há ruelas, se é um bairro bonito ou feio. Vivo na cidade, estou enjoado dela, não a tolero mais, mas não a conheço, não a vejo.

Não sei descrever as pessoas que vivem na cidade. Não sei como são, o que fazem, do que gostam. Não sei o que pensam, nem sequer se falam a mesma língua que eu. Nunca conversei com elas. Elas simplesmente... passam. Não conheço suas cores, seus cabelos, seus rostos. Não sei como são as mulheres da cidade, seus jeitos, suas delicadezas, formas e belezas. Tampouco tomo tragos com seus homens, não conheço o poder de suas amizades, de suas crenças, ou a história de suas vidas.

Nem mesmo conheço as velocidades da cidade, suas sujeiras, suas podridões, suas avenidas desumanas, sem humanos. Não conheço suas pobrezas, suas maldições, seus casarões velhos e assombrados, seus monumentos destruídos. Não conheço seus heróis mortos, nem seus novos heróis, descrentes de suas lutas.

Não conheço nada da cidade. Não conheço suas fontes, suas águas, seus dias ensolarados. Não conheço suas crianças, suas praças, suas almas, animadas ou não. Realmente não conheço nada da cidade. Não conheço sequer a minha estrangeirice, ou a estrangeirice dos outros perante meu mundo pequeno, abafado e de portas pesadas.

terça-feira, maio 29, 2007

Harakiri

No Correio do Povo de hoje:

Japão: ministro envolvido em escândalo se mata

Tóquio – O Ministro da Agricultura do Japão, Toshikatsu Matsuoka, se suicidou ontem depois de ter sido envolvido em escândalo por suposta malversação de fundos públicos. Segundo a agência Kyodo, esta é a primeira vez que um ministro japonês em exercício se suicida desde a Segunda Guerra Mundial, apesar de pelo menos quatro parlamentares nipônicos terem se matado nos últimos anos.”

Enquanto isso, no Brasil...

segunda-feira, maio 28, 2007

Anistia Internacional e Direitos Humanos

A Anistia Internacional publicou seu relatório de 2007 acerca da situação dos Direitos Humanos no mundo e pede para que blogueiros ajudem na sua divulgação com links em suas páginas. Estou fazendo minha parte: acesse o relatório por aqui.

Nele, o Brasil é citado como um país que desrespeita recorrentemente os Direitos Humanos, em particular através de seu grande índice de homicídios cometidos, principalmente, por forças policiais. Acerca do mundo, o relatório aponta a um regresso na questão dos Direitos Humanos em função do que chama de "política do medo", onde a campanha contra o terrorismo tem legitimado ações contra esses direitos em diversas regiões do planeta.

Os funcionários de escritórios da Anistia Internacional de todo o mundo também têm um blog onde comentam acerca dos Direitos Humanos e de seus trabalhos nas regiões em que atuam. Acesse-o pela página da ONG ou por aqui.

Ajude a divulgar a Anistia Internacional.

sexta-feira, maio 25, 2007

Crônica sobre uma simples partida de futebol

Há muita gente que me convida para assistir a jogos de futebol em bares ou em grupo, na casa de alguém. Minha teoria diz que, quem faz isso, não entende de futebol. Ora, como alguém pode assistir a uma partida importante, como a que tivemos na última quarta-feira, num clima de desconcentração? Para mim, jogo do Grêmio é coisa séria. Não me divirto nem um pouco assistindo às partidas, seja em casa, seja no estádio. Fico numa tensão que impressiona quem está ao meu lado, o que denuncia, enfim, aqueles que não entendem o que realmente o futebol significa.

Superstição é o que não me falta. Nos últimos tempos, andava acreditando que ouvir aos jogos do Grêmio pelo rádio lhe dava mais sorte. Na primeira partida das quartas-de-final da Libertadores, no entanto, lá em Montevideo, escutei o jogo pelo rádio e o perdemos por dois a zero. Passei a achar difícil a classificação e, nessa semana, mandei a superstição se catar: cheguei em casa na quarta-feira um pouco antes das 19h e decidi assistir ao jogo num pequeno restaurante aqui no Centro, cujos proprietários eu já conhecia. Fui, claro sozinho.

Cheguei ao restaurante vazio, de luz amarela e mesas de madeira pesada. Depressivo. Logo fui atendido por uma guria muito simpática e bonita, que estranhamente me ofereceu somente cerveja e vinho. Pedi só meia jarra de vinho, para não exagerar. Dez minutos depois, iniciaram-se os preparativos para o jogo, e aos poucos o pequeno restaurante foi se enchendo de gente, garrafas e fumaça de cigarro. Nesse meio tempo, descobriu-se um senhor uruguaio infiltrado entre os gremistas que se disse torcedor do Peñarol. Que fosse! Fato é que todos ali pareciam se conhecer e o ambiente se tornou, mesmo para mim, sozinho, bastante simpático.

Lembro que o primeiro tempo passou rápido. Queria que o Tricolor fizesse pelo menos um a zero na primeira etapa. Fez dois. Estava perfeito! No intervalo, o tal senhor uruguaio decidiu ir embora, sendo impedido simpaticamente pelos demais torcedores. Ouviam-se somente os “o senhor fiquei aí, ninguém se mexa até o fim do jogo”. Afinal, para outros, assistir aos jogos em bares é que é a superstição.

Para o segundo tempo, pedi outra meia jarra de vinho. Achava que valeria a pena. A função do vinho, porém, foi mais me tranqüilizar que qualquer outra coisa, pois o bendito terceiro gol não saiu. Fiquei durante uma determinada altura da partida um tanto distraído a ponto de, por sorte, perder o lance em que a bola estourou no nosso travessão – somente então voltando a mim devido ao silêncio que se fez no restaurante.

Anunciaram-se os pênaltis. Um dos sujeitos que haviam impedido o uruguaio de sair do bar cobriu a televisão com uma toca do Grêmio, sobre a qual posicionou uma imagem da Nossa Senhora Aparecida. Talvez pelo efeito do vinho, os pênaltis passaram para mim tão rápido quanto o primeiro tempo, e não lembro de ter temido pela derrota. O fato dos pênaltis errados pelos jogadores do Defensor terem sido os primeiros talvez tenha ajudado nisso.

Comemoramos muito! A imagem de Nossa Senhora foi beijada por alguns torcedores, enquanto outro recomendava que todos, no dia seguinte, fossem a uma igreja como forma de agradecimento. Paguei o que devia e saí rapidamente do restaurante. A senhora que veio me atender por fim, tão simpática quanto à guria bonita do começo, fez alguns rápidos e humorados comentários sobre o jogo, me convidando a assistir lá outras partidas, o que certamente farei.

Ontem, daí, visitei a Catedral Metropolitana.

Algumas palavras de Saramago

Entrevista com José Saramago, único escritor em língua portuguesa a já ganhar o Prêmio Nobel, realizada pelo Jornal da Globo. Assista-a por aqui.

sexta-feira, maio 18, 2007

Bumper Ball

Se há de teres um vício, que seja o jogo - além da cafeína, é claro. De preferência, os dois.

Conheça o Bumper Ball, joguinho que virou febre entre os bolsitas da Faculdade de Economia e que tem provocado mais discussões e brigas que as metas de inflação do governo. Jogue-o aqui.

quinta-feira, maio 17, 2007

O Zunido

Era um zunido fraco, baixo, mas constante. Ficava o tempo inteiro somente na sua mente. Era um zunido psicológico, não físico. Somente ele o escutava, ninguém mais. Havia perguntado isso a outras pessoas, à sua mãe principalmente. Ela respondia que não escutava nada, mas que talvez só ela não conseguisse, pois estaria ficando surda devido à idade. Ficava a dúvida, então, se o seu zunido é que era metafísico, ou a surdez de sua mãe.

No fundo, sabia que era o zunido. A sua mãe não era a única questionada sobre isso, afinal. O zunido não mudava de volume, de tom, de forma, de nada, independentemente de onde estivesse ou do que fizesse. Era o mesmo zunido, sempre. Quando caminhava na rua, às vezes se distraía e parecia que o zunido não estava mais lá. Mas bastava perceber isso para voltar a ouvi-lo. Exatamente o mesmo zunido.

O zunido fazia as coisas lhe parecerem diferentes, mas ele não sabia bem do quê. O zunido afetava outros de seus sentidos. Além de ter dificuldade em compreender as pessoas, o zunido fazia o mundo parecer mais rápido, mais apressado. O zunido o estressava, não lhe dava sossego. Não conseguia fazer nada durante seus dias cansativos e noites insones: não podia ler, não podia ouvir música, não podia conversar, não podia ver televisão, não podia fazer nada. Suas relações com as outras pessoas eram moldadas pelo zunido que ouvia. Tudo na sua vida, aliás, parecia ser assim.

Raras vezes se queixava disso, e, quando o fazia, os outros lhe perguntavam desde quando ouvia o zunido. Ele não sabia responder. Não lembrava do momento em que isso havia começado, nem desde quando passou a perceber o zunido. Algumas vezes acreditava que sempre havia sido assim, outras vezes acreditava que não. Não lembrava se havia sido algum dia mais feliz, nem conseguia pensar se o zunido era causa ou conseqüência de algo que lhe ocorrera. Nada. Sua existência se resumia ao zunido.

Um dia, não suportando mais essa situação, num desespero que o zunido lhe impôs - como em tantas outras vezes - saiu de casa. Passou a caminhar vagarosamente pelas redondezas, sem pensar em nada fixo, simplesmente em devaneios tumultuados. Chegou ao porto vazio da cidade, passando a olhar o balançar da água, os poucos montes de terra que sobre ela estavam, o horizonte, o que pôde. Observou também alguns pássaros, a calmaria das coisas, as poucas pessoas.

E então, passou a caminhar pela costa. Primeiro devagar, depois mais rápido. E mais, e mais. E começou a correr, o mais veloz que conseguia. E mais, e mais. E o vento batia nas suas orelhas, fazendo barulho. Ele, agora, ouvia o barulho do vento, e não mais o zunido. Essa sensação lhe pareceu maravilhosa, e ele começou a correr mais e mais rápido. E ainda mais. E o barulho do vento nas suas orelhas lhe dava um prazer nunca sentido antes. E ele passou a reparar as coisas a seu redor, e viu a vida mais calma, mais normal, mais simples. E passou a entender o que as pessoas falavam. E passou a ser igual, como sempre quisera, e a ouvir como todos ouviam. E isso lhe fez correr ainda mais rápido, e mais, e mais... Até escutar, enfim, somente o silêncio.

Do vento.

quarta-feira, maio 16, 2007

O "novo jeito" de fazer política ambiental

A questão das empresas de celulose no RS, por Marco Aurélio Weissheimer, na Carta Maior. Leia a matéria aqui.

sexta-feira, maio 11, 2007

O Tudo e o Nada

Havia dois sujeitos.

O primeiro tinha de tudo na vida, no sentido mais materialista do termo. Tinha uma boa casa onde morava sozinho, às vezes com alguma companheira - que mudava com freqüência. As conquistava com suas boas aptidões físico-estéticas, e com seu carro. Era um carro moderno, recente, última moda. Versátil. Tinha uma poupança em dinheiro que havia sido acumulada por seus pais, e que estava reservada para algum grande empreendimento na sua vida. Talvez algo ligado a seus estudos. Sim, ele fazia faculdade, através da qual mantinha uma típica vida de universitário. Trabalhava também, claro.

Já o segundo não tinha nada. Não era pobre, mas não tinha nada. Morava num trailer, também sozinho, onde guardava suas bugigangas. Não eram muitas, nada mais do que alguns poucos móveis, utensílios de cozinha simples, roupas, uma cama. Havia uma TV e um rádio, que nem sempre podiam ser sintonizados. Os livros não eram muitos, mas lia algumas revistas, geralmente números antigos. Não trabalhava, mas fazia bicos com seus desenhos. Era o suficiente para alguns sanduíches.

Um dia, os dois perderam tudo.

O primeiro não foi mais visto. Não, ele não morreu, simplesmente não foi mais visto. Há quem diga que ele continuou indo a sua faculdade e conquistando suas garotas. Mas, de forma geral, sumiu. O segundo, por sua vez, começou a caminhar mais pelas ruas, prestar mais atenção a seus detalhes e suas gentes. Decidiu viajar carregando só uma mochila.

quinta-feira, maio 10, 2007

A Folga

Depois da sapecada do Grêmio ontem, vindo de momentos tão decisivos nas últimas semanas, e alegres, merecemos nós, volantes de contenção, descansar um pouco. Ou não?

Sobre a folga, a interessante crônica de Artur de Carvalho na Carta Maior. Leia-a aqui.

quarta-feira, maio 09, 2007

As Mulheres no Frio

Tu, leitor, também tens a impressão de que as mulheres ficam mais bonitas no frio?

Descobri ontem, durante uma conversa com um amigo, que não era somente eu a achar isso. Repara, leitor, te recomendo. Senta-te numa mesa de bar, peça uma torrada, um café, coisa assim, às três da tarde de uma quarta-feira. Senta-te, e observa. Procura ficar perto da porta, ou cuida a guria que te serve. Certifica-te que está frio deveras, suporta-o, e repara.

As mulheres passarão diante de teus olhos apressadas, cuidando de suas vidas como tu deverias estar fazendo com a tua. Repara seus rostos, suas faces e narizes avermelhados pelo vento. Seus olhos lacrimosos pelo mesmo, voltados ao chão, preocupadas com tantas coisas que nós, homens, somos incapazes de compreender. Repara seus ombros e peitos escondidos por aquela pesada blusa de lã branca, nos fazendo imaginar coisas que passam pela nossa mente de forma tão rápida quanto seus passos, diante da porta.

E passam muitas. Repara como são tantas. Todas iguais, igualmente apressadas, com rostos vermelhos. Igualmente lindas.

Não... Não há nenhuma vulgaridade, nenhuma parte de seus corpos à mostra. Seus rebolados e formas estão escondidos por suas roupas elegantes e necessárias nessa tarde cinza, expondo somente nossas idéias e vícios, que nos perturbam enquanto nos conduzem na vida. Repara como somos mal tratados pela imaginação que temos de seus corpos, e como essa imaginação, lá no fundo, nos alegra. Uma alegria simples. É aquela distração súbita, aquele sorriso que nos vem à boca daquele charme e mistério, daquela melancolia feminina que nos seduz sem sabermos porquê.

Parece que poderíamos de repente nos apaixonar por qualquer mulher. Sobra-lhes muito de belo, como reparas. Mas mais parece que nos falta algo, numa carência que jamais será saciada. É como se não pudéssemos agir, mas apenas... reparar. E reparamos.

Ah, leitor... Também tens a impressão de que as mulheres ficam mais bonitas no frio?

terça-feira, maio 08, 2007

O Frio

O frio porto-alegrense é um amor de verão.

Chega como um parente malquisto à nossa casa: faz uma pequena visita num domingo à tarde, depois passa o fim de semana; logo uma semana inteira para alguma atividade que lhe exige ficar na cidade; por fim, depois de um mês a menos de quinze graus, ninguém o suporta mais. Vai-se o charme, os afagos, o aconchego; ficam os reclames e as lembranças dos defeitos.

Nos orgulhamos de ser provincianos. Temos orgulho da Porto Alegre como cidade pequena, alheia ao progresso das grandes metrópoles. Nos orgulhamos do nosso bairrismo cultural, dos autores e coisas daqui, mesmo que estes não sejam tão importantes assim. Ser porto-alegrense é ter a garantia de amparo nas nossas mentes fechadas.

Temos orgulho disso tudo.

Até do frio. Um frio tropical, mas nosso.

segunda-feira, maio 07, 2007

Ao leitor

Os Pensamentos mudaram. Talvez continuem sendo do mal, mas certamente não são mais os mesmos. Precisava expressar isso de alguma forma. Pensei em criar outro blog, que já tinha até batizado: Fome. Acho que a fome é o sentimento mais nobre e honroso de ser humano, que nos faz iguais, podendo significar muitas coisas. Há muitos tipos de fomes, mas isso não interessa aqui. Optei pelo poder da marca, mudei o subtítulo da página e o seu visual, por um mais, digamos, suave.

O mal também pode ser suave, principalmente se tratando de pensamentos. É que antes eu tinha a sensação arrogante de que minha função na vida era mudar as coisas, ou tentar e tentar, que fosse. Era altruísta, mas desisti. Não tenho obrigação nenhuma de mudar o mundo. Hoje, entendê-lo já me deixaria pra lá de satisfeito. Agora é egoísta, eu sei, mas são questões minhas, enfim.

Quem lê esse blog com alguma freqüência, ou aquele que se der ao trabalho de verificar algumas postagens passadas, verá que o estilo desta é bem diferente. Tende a ser assim a partir daqui, e essa é a principal das mudanças que estão ocorrendo no Pensamentos: menos rigor, mais devaneio. Menos artigo científico, mais blog. Mais diálogo. Mais dinamismo. Acho que isso já vinha ocorrendo de certa forma. Estou com algumas idéias, e acho que esse blog, antes despretensioso, me pode ser útil. Questões minhas novamente.

Crônicas e contos. Rigorosamente, há diferenças entre esses dois campos da arte de escrever. Aqui, não haverá.

Espero mantê-lo comigo, leitor.

quarta-feira, abril 11, 2007

Onde estará Marcela?

Finalmente recebi críticas pelo que escrevo aqui. Já estava ficando preocupado. Falo mal da esquerda ao defender o aumento da repressão ao crime, escrevo textos intimistas ao estilo blog de guria, critico o PAC com um viés conservador e mantenho total silêncio em relação ao governo Yeda, e ninguém falava nada. A audiência dessa página é tão baixa que eu já estava pensando em tratar da vitória do Alemão no Big Brother, do aquecimento global ou do milésimo gol do Romário. Um surto de comentários (dois, mais precisamente), no entanto, me mantiveram na linha, e indutivamente colaboraram com minha tese precursora acerca do tédio juvenil em que vivemos.

Aliás, li nesse último fim de semana, enquanto esperava o coelhinho, Até o dia em que o cão morreu, de Daniel Galera. A história que me levou ao livro é meio longa, ao contrário da do livro, que é curtíssima – contada em cerca de 95 páginas, podendo ser lida numa cagada, como diz meu amigo Vinícius Cardia. Mas a primeira também é interessante: Fiquei sabendo do livro através de uma reportagem da Carta Capital, e imediatamente recorri aos meus amigos mais letrados em busca da obra. Muitos conheciam o autor, mas o livro, não teve jeito, tive que comprar. O que despertou tamanho interesse em mim foi o fato de poucas vezes ter me identificado tanto com um personagem como agora: o protagonista da história é um jovem de cerca de 25 anos, formado em Letras, sem emprego fixo, que mora sozinho num apartamento no Centro de Porto Alegre, contando com o auxílio financeiro dos pais, e que gasta seu tempo melancolicamente olhando pela janela, caminhando pelas redondezas e tomando cerveja. Ajustando um detalhezinho ou outro, é de mim que o livro trata. Até as características de suas visitas à casa paterna e da pilha de livros num canto do quarto são iguais. Pus na cabeça que precisava saber o final dessa história, comprei o livro e o devorei.

Esse trabalho de Galera trata exatamente do tédio. Não daqueles que nos acometem nas tardes de domingo, de inverno e chuvosas. Trata-se da descrição micro de um sentimento mais amplo, que atinge os jovens dos dias de hoje. Isso já foi tratado aqui, inclusive nos tais textos intimistas. Com Galera, virou livro, que do ponto de vista literário não apresentou, pelo menos a mim, grande valor – é daqueles que avacalham o português achando que estão inovando na linguagem, ao escrever diálogos sem travessões ou aspas, ou ao escrever “tou” no lugar de “estou”, por exemplo – mas me ganhou no enredo. É a nossa falta de tesão, de rumos, de fé que é discutida, sem caricaturas e com sutileza.

A obra tem trechos interessantes que descrevem esse tédio contemporâneo. Num deles, o personagem apresenta a realidade em que está, ao afirmar que poderia tocar seus projetos, procurar um emprego mais estável, que teria condições para isso, se não fosse sua completa falta de vontade. Ou seja, a mediocridade o satisfazia, pois lhe faltava uma fonte de energia que o impulsionasse, e lhe sobravam dúvidas em relação à utilidade de seus esforços. Noutro, repara que as notícias do jornal tendem a se repetir a cada três dias, com pontos mais ou menos assim: dólar sobe ou desce, mais um acidente grave no trânsito, uma pessoa foi assassinada, médicos suspeitam que tal coisa pode ser a cura para tal doença, e por aí vai.

O atrito nesse ambiente se dá entre outros dois personagens, que deixam o principal como espectador da realidade, em oportunidades que pouco temos na vida real de forma perceptível. Esses personagens são o cão - de rua, encontrado na volta de um bar durante a madrugada, na Praça da Alfândega, um vira-latas, enfim - e Marcela, uma modelo que conheceu estando bêbado, os dois, e a partir de quando passaram a ter relações sexuais casualmente. O cão e Marcela representam dois extremos: o tédio como característica intrínseca do indivíduo atual, e o sentimento não menos intrínseco de luta contra essa situação. O livro, porém, e quem o leu sabe, é otimista em relação ao que vivemos hoje, não necessariamente sobre o futuro, mas na sua sugestão de atitude.

Daniel Galera tem 28 anos, é paulista, mas mora em Porto Alegre desde guri. Amanhã (quinta-feira), estará autografando Até o dia em que o cão morreu na Palavraria (Av. Vasco da Gama, 165, bairro Bom Fim), a partir das 19h (o livro virará filme, sob o título Cão sem Dono, que estreará em maio nos cinemas). Eu estarei lá. É uma boa oportunidade para alguém me assassinar, pois estou dizendo onde e quando estarei. Aí a imprensa voltaria a tratar dos crimes planejados pela internet, e essa coisa toda que se repete a cada três dias. Pelo menos aumentaria a audiência do blog. Mas enfim, será uma forma de acabar com o tédio juvenil que tenho, pois, como dizem os marxistas, somos todos construções históricas. Convido aos meus amigos para, pelo menos, tomarmos um café amanhã nessa livraria, até a hora da minha estimulante aula de Economia Brasileira Contemporânea II, com sua inflação inercial e diferentes planos heterodoxos de estabilização.

terça-feira, abril 03, 2007

A violência no Brasil

Existem determinados temas que rodeiam nossa realidade de que havia decidido não tratar, pois achava ser o debate acerca deles desnecessário. São aqueles temas cujas perguntas e respostas, na minha humilde arrogância, considerava consensuais. Violência era um deles. A ascensão desse assunto no último mês, no entanto, tendo como estopim a morte do menino João Hélio no Rio de Janeiro, fez atuar sobre a mim a Lei de Say, que diz que toda a oferta cria sua demanda. Logo, aqui estou eu.

Fato é que, sempre que o debate era sobre violência, como aspirante a pensador (do mal) que sou, admitia a tradicional opinião da esquerda brasileira de que a violência no Brasil tem caráter social, que a enorme desigualdade do país é a sua origem, que é reflexo da falta de oportunidades à juventude pobre etc. Essas opiniões são justificadas quando se explica o que se entende por esquerda brasileira, pois com esse termo se identificam todos aqueles que se consideram de bom coração, caridosos, pacifistas, ou seja, jovens, poetas, artistas, utópicos, sociólogos ou economistas mal sucedidos, pessoas da classe média para cima que discutem a vida ao redor de mesas de bar, em goles de cerveja.

Eu, claro, sou tudo isso e, portanto, admito toda essa conversa fiada acerca das causas da violência no país. Mas já que a esquerda passa por problemas de personalidade ultimamente, não custa nada pensar na possibilidade dela estar equivocada em alguns pontos, pois se sobra a ela altruísmo, lhe falta senso prático. A principal lição que tiramos disso é parar com essa frescura de achar que reprimir o crime é coisa da direita.

Minha idéia aqui não é negar o tal caráter social que tem a onda de violência no Brasil, mas complementá-lo. Como costumo dizer, embora se saiba que pobreza não gera violência, tem-se que ser muito ingênuo para achar que o fato do Brasil ser um dos países mais violentos do mundo ao mesmo tempo em que é um dos mais desiguais é somente coincidência. Minha percepção da violência brasileira, no entanto, é mais ampla que essa. Acredito que esse fenômeno atingiu um patamar inercial no nosso país, deixando de se constituir numa relação de origem e meio para se tornar um fim em si mesmo. É a conhecida “banalização da violência”, que deixa de ser um processo social lógico e causal para se tornar uma forma de relação entre as pessoas, como quando um sujeito dá um tiro num outro porque o primeiro lhe deu uma fechada no trânsito, ou quando a filha mata os pais porque eles não gostavam do seu namorado, ou quando jovens ricos incendeiam um índio por pura diversão. A criminalidade com essas características, prezado leitor, sinto muito, mas se combate, sim, com aumento da repressão ao crime e do rigor nas penas.

Existe uma racionalidade econômica nisso tudo – coisa simples, de custo e benefício. Ora, um indivíduo somente comete um crime, em sua sã consciência, como ocorre na maioria dos casos no Brasil, se os benefícios que obtiver desse crime, ponderados por um risco deste falhar, forem maiores que seus custos. No nosso país, o custo e o risco existentes àquele que comete um crime são tão baixos que mesmo a menor criminalidade traz benefícios líquidos ao seu autor. É a idéia popular de que o crime compensa. Com seu custo e risco tão baixos, o crime se torna uma opção aos mínimos desvios de caráter e insatisfações da vida cotidiana: Quero um tênis que não posso comprar? Roubo-o de um sujeito na rua; Quero ir a uma festa de carro, mas não tenho habilitação? Dirijo assim mesmo; Meu time perdeu? Agrido o torcedor adversário; Sou deputado e ninguém vigia minhas ações? Cometo corrupção; e por aí vai. O que temos que fazer, portanto, é criar um mecanismo de aumento da repressão ao crime (ou seja, de aumento de seu risco) e de maior rigor nas penas (ou seja, de aumento de seu custo), de forma que, qualquer que seja a situação do indivíduo, esta ainda seja preferível à criminalidade.

Há, por fim, uma questão importante a ser considerada: o reconhecimento da consciência individual das pessoas. Todos os indivíduos sabem, sim, prezado leitor, que não se deve roubar, agredir e matar. Sabem que não se deve descumprir regras simples de convívio numa sociedade, que não requerem estudos maiores para delas se ter conhecimento. Trata-se do fundamento básico do respeito mútuo. Da mesma forma que não me considero “mais consciente” que ninguém, não vou admitir a idéia de que alguns são “menos conscientes” que os demais para, assim, poderem legitimar suas ações ilegais pelo fato de que, quando eram crianças, quiseram ter uma bicicleta e seus pais não puderam lhes dar. Admitir esse argumento é o mesmo que admitir a superioridade intelectual de um determinado segmento social sobre outro – o que é comum da direita à esquerda brasileiras. Somos iguais em nossas capacidades de consciência individual e, logo, devemos ser tratados de forma igual pelas instituições democráticas, independentemente de cor, origem, credo e classe social. Não cabe ao Estado tratar as pessoas como idiotas, como se elas não soubessem a diferença entre o certo e o errado.

Que fique claro que, quando defendo o aumento da repressão ao crime e das penas, obviamente subentendo o total cumprimento dos direitos humanos nos moldes da mais plena democracia. Também acho errado a polícia subir o morro esbofeteando a molecada. Aliás, se os direitos humanos fossem realmente cumpridos no Brasil, muito dessa discussão de que aqui trato seria desnecessária. Minha idéia, no entanto, é exatamente mostrar que essas coisas não são incompatíveis. Pelo contrário, o aumento da repressão ao crime parece essencial à efetivação dos valores humanitários que nosso país tem e com os quais se compromete perante aos demais povos do mundo. Se o debate acerca da criminalidade no Brasil não tratar disso, poderemos estar confirmando a sensação já presente entre nós de que tal problema não tem solução.

sábado, fevereiro 24, 2007

Confissões

Eu gostaria de ter mais confiança nas pessoas. Gostaria de conhecer alguém com quem pudesse conversar sem ter medo do que tenho a dizer, sem ter medo das conseqüências. No fundo, sou um grande careta, um merdinha. Tenho medo das minhas ações, dos resultados delas no futuro, como se eu ou meu futuro fossem coisas muito importantes. Uma fraude, isso é o que sou.

Sobra, então, a angústia, a ansiedade, aquela sensação de que falta algo que não sei o que é, e que, mesmo que soubesse, não poderia obtê-lo. Agarro-me à disciplina – na esperança de ser recompensado um dia – e à falsa compreensão de que a vida é assim mesma. Conformo-me, me adapto, passo a ser tolerante. E com a tolerância, vão-se os sonhos, pois agora tenho que ser adulto e não posso mais perder meu tempo com devaneios.

Até hoje, não sei o que quero da vida. Até hoje, não consigo permanecer sentado numa cadeira até terminar de ler um livro. Estou no terceiro parágrafo desse pequeno texto e já caminhei pela casa duas vezes, e certamente o encerrarei sem dizer tudo que desejo. Sou um transtornado, eu acho. Aonde isso me levará?

Quanto mais cresço, quanto mais envelheço, menos confiança tenho em mim mesmo. As possibilidades há uns anos pareciam tantas, e agora são tão poucas. Isso é maturidade? Ou o que eu sentia antes é que eram ilusões infantis?

Como tenho inveja dos ingênuos! Quanta coisa atormenta minha cabeça que ainda não consigo transformar em palavras. E quanta que jamais se transformará...

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Algumas lições de Kafka

Se da mente do escritor tcheco Franz Kafka (1883 –1924) tivesse surgido, além de personagens, um país, este seria o Brasil. Kafka, considerado, ao lado de Proust, um dos maiores escritores do século XX, é dito o autor do absurdo. Ora, o Brasil é o país do absurdo.

Terminei de ler no fim de semana passado uma de suas obras mais conhecidas chamada O Processo. Você, leitor, já a deve conhecer: nela, Kafka relata a história de homem de cerca de 30 anos que, num dia, vê sua vida rotineira de funcionário de um banco ser conturbada por um processo judicial que sofre, sem saber a razão. Isso é característico de Kafka: pessoas normais, vidas normais, que, de repente, são transformadas radicalmente por um acontecimento, pois, absurdo.

Nem a mente de Kafka, no entanto, seria capaz de criar algo como o Brasil. Em suas obras, o absurdo é entendido como tal, pelo menos. No Brasil, o absurdo é a regra, a ponto de deixar de ser absurdo. Assim, no Brasil, nada mais é absurdo.

Gostaria de saber se O Processo é lido nas faculdades de Direito do nosso país. Na minha opinião, Kafka poderia ser ministro do STF e ganhar seus cerca R$ 25 mil, pois li poucos relatos tão bons acerca do Judiciário brasileiro quanto o dele, nessa sua obra. Kafka, aliás, era formado em Direito, e certamente utilizou sua formação na realização de seu trabalho como escritor, talvez mais particularmente n’O Processo, embora se saiba que sua intenção era muito mais literária que acadêmica. Ou seja, o Judiciário brasileiro parece vir de uma obra de ficção.

Isso se explica.

Primeiro, Kafka sinaliza à ausência de razões do processo que sofre o personagem de seu livro. Em nenhum momento da obra, o personagem, ou o leitor, conhece a causa do processo que se tramita, fazendo com que ambos deixem de dar importância a isso a partir de um determinado ponto da história. As causas do processo, logo, deixam de ser pertinentes, passando a ter este um fim em si mesmo. Isso se enfatiza quando o personagem percebe a ausência da perspectiva de um final ao seu processo, quando sua essência passa a ser unicamente seu desenrolar, e não mais um julgamento ou um veredicto.

Depois, e de forma bem mais clara, é relatado a forma como os funcionários da Justiça agem e as relações entre eles. A maioria dos casos, fica sabendo o personagem, são resolvidos pelos contatos que os advogados responsáveis têm com os juizes, mais do que pela forma da verdade e da lei. A mesma descrição com sensibilidade se observa na relação entre os advogados e seus clientes, que tem seu auge na cena presenciada pelo personagem quando seu advogado atende ao comerciante, outro de seus clientes. Ali, o comerciante é humilhado de forma consentida, se apresentando o advogado como um ser superior a quem o primeiro deve agradecer pela bondade e prestação.

Há quem possa dizer que O Processo somente tangencia a realidade. Respondo que não, pois Kafka descreve os acontecimentos com tal sutileza que faz com que a fronteira com o absurdo seja ultrapassada discretamente, nos deixando perceber isso somente quando já estamos envolvidos nele. No Brasil, ocorre algo parecido. A diferença é que não podemos fechar a realidade, como se fecha um livro, para refletir. Os personagens do livro também não faziam isso, obviamente, pois, para eles, o livro era a realidade, nos fazendo entrar agora numa questão de metafísica.

Mas as semelhanças entre a vida e a arte podem ser mais específicas. Por exemplo, a transformação do processo num fim em si mesmo pode ser uma forma irônica, embora não engraçada, de expressar acerca da utilidade da Justiça. Os entendidos da lei são os legisladores que, caso tornem a lei entendível, ou prática, perdem sua utilidade. É o cachorro correndo atrás do rabo. O veredicto, portanto, é um fim indesejável com gosto de nostalgia.

A descrição do relacionamento dos membros da Justiça, porém, foi a maior contribuição de Kafka com essa obra a nós, conservadores subnutridos. O que n’O Processo não há denominação, embora o fato seja mais claro lá que aqui, do lado de fora, é o nosso tão conhecido corporativismo do Judiciário. Lutam, juntos, por salários e obras, defendem os seus e condenam os nossos. Nós, coitados, fazemos todos o papel do comerciante - poderia dizer do personagem principal, mas este ainda achava estranho tudo aquilo. Ou seja, para personagem principal definitivamente não servimos.

Você, leitor, então pode se perguntar o que significa o final do livro, quando o personagem sofre a execução de sua pena procurando manter sua vergonha, sua moral. Aquele personagem, leitor, representa todos nós, que olhamos o mundo de forma arrogante como se dele não fizéssemos parte, crendo ingenuamente na sua inquestionabilidade, apunhalados e mortos pela ordem.

Leia Kafka.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Pequena Crônica da Contemporaneidade

Já faz um tempo, li uma coluna do Elio Gaspari, dessas que saem nas edições de domingo do Correio do Povo, daquelas bem ao seu estilo, de vocabulário irônico e cruel. Falava, e bem, do Governo Lula, ao tratar dos benefícios trazidos às classes pobres pelas medidas de desoneração fiscal sobre os materiais de construção. Descrevia a forma pela qual as classes baixas erguem seus “puxadinhos”, geralmente com a ajuda de amigos e parentes, e o quão importante isso era para essas pessoas e o impacto disso sobre suas vidas. Descrevia também o desconforto dos ricos do país com essa alegria da ralé, comparando com o que aconteceu no século XIX imediatamente após o fim da escravidão, quando os negros libertos passaram a freqüentar as ruas, desempregados e bêbados, como todos os cidadãos de bem. Percebi naquele momento o meu espírito de burguês enrustido, que se escancarou na minha frente num choque de verdade.

Nessa manhã, rumei para a faculdade vindo de Sapucaia do Sul, na grande Porto Alegre. Passar um tempo lá, por menor que seja, é sempre uma experiência interessante: as pessoas nas ruas, os caras tentando impressionar as gurias que os seduzem com seus bonitos decotes e saias curtas, além dos muitos botecos, e dos tradicionais churrascos e cervejadas em todas as casas, nos fins de semana.

A viagem até lá se faz de trem ou de ônibus, este que passa pela rodovia federal que cruza várias cidades da região. Nas minhas idas, geralmente poucas pessoas no coletivo, a maioria senhoras, todas de saias longas e lendo bíblias. Nas voltas, não costumo prestar muita atenção, e as costumo fazer de trem. Hoje, no entanto, foi diferente: acordei às 5h30min, ainda noite, para vir cedo, sob uma chuva torrencial que chegava a assustar. Vim de ônibus dessa vez, que estava cheio de homens e mulheres que se dirigiam visivelmente para seus empregos. Todos tão trabalhadores que cheguei a ficar com vergonha de mim mesmo. Em cada parada diante de uma firma, desciam muitos, que se despediam carinhosamente dos que prosseguiriam a viagem (particularmente do motorista), numa espécie de cumplicidade fraternal. Ali, eu vi o Brasil.

Um amigo meu que viajou para São Paulo se disse muito chocado com o contraste da pobreza que por lá encontrou. Lá, o país dá a cara ao tapa, e não finge ser o que não é. É um Brasil com menos vaidades. No meio de seu relato, soltou a seguinte expressão, simples e profunda ao mesmo tempo, como são os contrastes que nos caracterizam: “É muita pobreza, cara... Puta merda, esse país precisa crescer...”.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

imPACto

Demorou, mas finalmente ficamos conhecendo nessa semana o tal PAC – Plano de Aceleração do Crescimento. Como tudo no governo Lula, o nome é pomposo; a expectativa, grande e duradoura (desde novembro); e a realidade, pouco promissora. O plano é bom, mas ainda tem que tomar muito todinho para fazer o Brasil crescer 5% ao ano como quer o governo.

O PAC consiste na junção de vários projetos de investimento sob uma única denominação – o que também já é praxe nesse governo – bem ao estilo Bolsa Família: junta-se um monte de programas que já existem e o transformam num só, com um novo nome. O PAC é a mesma coisa: juntou-se os planos de investimentos da União, das estatais, algumas medidas de estímulo ao crédito e de desoneração tributária, e fez-se o PAC. Além disso, conta com a boa vontade dos estados e o animal spirit dos empresários. Se tudo isso acontecer, a soma de investimentos alcançará a considerável quantia de R$ 503,9 bilhões até 2010.

A Petrobrás contribuirá com a maior parte dos recursos: cerca de R$ 274,8 bilhões, ou seja, mais da metade dos investimentos. Somente R$ 67,8 bilhões sairão do caixa do Governo Federal. Serão feitas também políticas fiscais, como a redução das alíquotas do PIS e Cofins para alguns setores pontuais da economia, além do reajuste anual de 4,5% na tabela do Imposto de Renda de Pessoa Física até 2010. Essas são medidas que visam injetar dinheiro na economia e, assim, aumentar seu nível de consumo, seja através do aumento dos gastos do governo, seja através da redução de impostos.

Para que as empresas aumentem seus gastos, no entanto, é necessário que haja um melhor ambiente para o investimento, que as empresas tenham expectativa de retorno do dinheiro que gastarão. O PAC cuida dessa questão de forma tímida, ao regulamentar o artigo 23 da Constituição que trata, entre outras coisas, da proteção ao meio ambiente, e da Lei do Gás Natural. Também será reestruturado o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Acompanhando isso, haverá medidas de estímulo ao crédito, como a criação do Fundo de Investimento em Infra-Estrutura com recursos do FGTS, aumento dos créditos cedidos pela Caixa Econômica Federal ao saneamento básico e à habitação, além da redução gradual da Taxa de Juros de Longo Prazo.

Por fim, foram tomadas medidas que visam frear o aumento das despesas públicas, como a fixação do limite de 1,5% mais a variação do IPCA para o crescimento da folha de pagamento da União, que valerá por 10 anos. Com esse mesmo fim, até 2011, o salário mínimo será corrigido pelo INPC mais a taxa de crescimento do PIB dos dois anos antecedentes.

Enfim, coisas desse tipo...

As medidas do PAC são importantes, pois sinalizam a disposição do governo em fazer o país crescer, mas de maneira nenhuma garantem isso. Primeiro, porque o PAC conta com a contrapartida dos estados, que não têm recursos para investir o que lhe competem, e da iniciativa privada, sobre a qual o governo não tem controle. Depois, porque, mesmo que o plano ocorra como o planejado e todos os agentes façam suas partes, os R$ 503,9 bilhões não são suficientes para, sozinhos, fazer o país alcançar os 5% de crescimento ao ano. Outras coisas precisam acontecer ao mesmo tempo, pois o PAC, de maneira nenhuma, resolve os problemas que realmente travam a economia brasileira.

Essas “outras coisas” são muitas. Algumas delas, e as mais urgentes, se resumem nas chamadas reformas. O Brasil precisa urgentemente, por exemplo, de uma reforma em seu sistema previdenciário, de forma que este se torne auto-sustentável e para que o governo não precise mais destinar cerca de 45% de seu orçamento para cobrir o déficit da previdência. Com essa grana em mãos (e não no déficit da previdência), o governo poderia, daí sim, aumentar seus investimentos, de forma muito mais ambiciosa do que faz o PAC. Outra reforma urgente é a tributária, que vise facilitar a produção no país e tornar a cobrança de impostos mais progressiva, organizando também as responsabilidades sobre tributos e despesas entre a União, os estados e os municípios.

Organização, aliás, é um termo que falta ao nosso país. A atuação do Estado sobre a economia brasileira é muito desorganizada, e isso se transforma em burocracia que impede o dinamismo necessário para que haja crescimento. Isso se reflete em todos os setores estatais e acaba sendo transferido ao andamento das atividades econômicas, que também se tornam burocratizadas, ineficientes e pouco competitivas, prejudicando tanto o produtor quanto o consumidor.

Nesse contexto, entra também a reforma trabalhista, que deve visar facilitar as relações de trabalho e agregar trabalhadores à formalidade. Hoje, no Brasil, cerca da metade dos trabalhadores não estão legalizados devido à burocracia e aos custos que recaem sobre o trabalho formal. Isso contribui para o déficit da previdência, além de deixar na insegurança milhares de trabalhadores que não têm acesso a direitos.

Em outras palavras, o importante é compreendermos que crescimento econômico se faz através de uma série de fatores, e não de uma medida ou outra, de forma isolada. Da mesma forma que salientei outras vezes que não será a queda da taxa de juros que fará o país crescer, digo que tampouco será o PAC o responsável por isso. Essas são apenas medidas pontuais que somente surtirão efeito se forem acompanhadas por outras que realmente aperfeiçoem a economia brasileira. O Brasil ainda é um país muito fechado ao comércio internacional, que tem instabilidade jurídica e institucional em suas relações econômicas, burocrático em todas as suas instâncias, que sofre com a corrupção, com a alta carga tributária, com a desigualdade social e a pobreza extrema. O crescimento econômico passa pela solução prévia desses problemas, e não o contrário, como muitas vezes se imagina.

Outro exemplo claro disso é a questão da educação: o trabalhador brasileiro tem em média 6 anos de escolaridade de má qualidade. Crescimento sustentável de 5% ao ano, assim, só se for um estupro como foi no passado, quando crescemos em média 7% ao ano ao custo de desigualdade social, pobreza, dívida externa, destruição do meio ambiente, urbanização descontrolada e estagflação nos anos seguintes.

O PAC, portanto, é positivo, mas precisa ser acompanhado de reformas importantes no país. E reformas não se referem somente à previdência, aos tributos, ao trabalho ou à política. Temos que reformar nosso judiciário regressivo, burocrático e corporativista. Temos que reformar nossa distribuição de renda, que nos faz o país mais injusto do mundo. Os investimentos públicos devem ser reformados, visando atender à população mais necessitada e economicamente insegura, a fim de reduzir a pobreza. Enfim, que o PAC seja só o início de uma série de aperfeiçoamentos que nos conduzam verdadeiramente ao crescimento e ao desenvolvimento.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Filhos da Razão

Já faz um tempo, numa entrevista de um diretor de teatro no programa Provocações, da TV Cultura, o apresentador Antônio Abujamra fez um comentário mais ou menos nessas palavras: “O pior é saber que nós, nas nossas idades, ainda somos os mais modernos. Onde está a juventude para nos contestar, para nos desrespeitar, para nos mostrar que estamos errados?”.

Sempre fui um defensor da minha geração. Nunca admiti que um velho falasse que a juventude de hoje é isso ou aquilo, que é alienada, despolitizada. Que moral têm os velhos para falar de nós, jovens? Quais eram os seus desafios e quais são os nossos? Se existe uma coisa que odeio é aquele papo de velho ao estilo “meu jovem, ouça a voz da experiência...”.

Essa tal “voz da experiência” é um câncer do qual a sociedade tem que se curar o quanto antes.

É impressionante ver como nossos pais realmente acham que mudaram o país e o mundo. Falam de Woodstock, da revolução sexual, da luta contra a ditadura. Acham que a vida antes era mais difícil. Coitados... Não sabem nada do hoje, e ainda querem nos dar conselhos.

A liberdade sexual está aí, a ditadura se foi, e o mundo da Guerra Fria fala na irreversibilidade da globalização. E nós, como estamos? Temos tudo e nada ao mesmo tempo.

Os que dizem que a vida dos jovens hoje é mais fácil não têm idéia do que é viver sem causa, numa época que não pensa, que não reflete. Faço parte da juventude mais revolucionária de todos os tempos, mas que não tem inimigo. Não sabemos contra o que lutar. Vivemos na era da descrença: as religiões são uma farsa; a política, uma hipocrisia; e os sonhos, ilusões. Isso é que a juventude pensa, e de forma cada vez mais individualista.

Deve ser muito bom acreditar que é possível mudar o mundo, mesmo que o preço disso seja um pouco de ingenuidade. Somos, no entanto, os filhos da razão: céticos, perdidos e sedentos de fé.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

O gongo está silenciando

Estamos às vésperas da eleição às presidências do Congresso Nacional. Para a da Câmara, três candidatos: Aldo Rebelo (PC do B), Arlindo Chinaglia (PT) e Gustavo Fruet (PSDB). Os dois primeiros, governistas. O terceiro, a “terceira (sic) via”, da oposição. Com exceção desse último, que se diz contra, os dois primeiros desconversam sobre a proposta apresentada no fim do ano passado de aumentar em 91% os salários dos congressistas. O mal pode estar voltando... Lembro os amigos leitores de que a decisão do STF que impediu o aumento na época foi temporária, podendo ser revertida a partir de fevereiro, com a nova bancada no poder.

Tanto Rebelo quanto Chinaglia estavam na lista dos líderes canalhas que votaram a favor do aumento, em dezembro. Ambos já pensando na eleição à presidência da Câmara, é claro. Agora, estão usando isso de novo como bandeira de campanha, já conquistando a “simpatia” dos demais partidos - até os da oposição, como o PFL e o próprio PSDB. Chináglia é o favorito e, para variar, é o único que discretamente se disse a favor do aumento, lá no início da campanha. A nós, falam pouco, mas entre eles é sabido: se qualquer um dos candidatos governistas ganhar, Chinaglia ou Rebelo, o aumento volta à pauta, e será outra daquelas guerras.

Não duvido que Fruet, na hipótese mínima de eleito, acabe concedendo o tal aumento àquela cambada de filhos da puta. Por via das dúvidas, nunca fui tão tucano como agora.

Estejamos atentos. MLST em prontidão.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

Anorexia Social

As filhas do consumismo estão morrendo de fome. Nessa vez foi uma menina de 14 anos do Rio de Janeiro. No Brasil, é o sexto caso em cerca de dois meses. Gurias que, na ânsia de se tornarem modelos e viverem das passarelas e da moda, se sacrificam ao extremo e morrem. De fome.

Esse último caso foi pouco abordado na TV. A menina, negra e pobre, morreu por falta de diagnóstico da doença – media 1,70 metro de altura, pesada 38 quilos e três hospitais públicos disseram se tratar apenas de uma anemia. Isso pode ser, sim, uma das razões do silêncio da mídia, mas, pelo menos dessa vez, provavelmente não é a principal. Sendo este o sexto caso em tão pouco tempo, é natural que haja uma certa acomodação nossa em relação ao tema. Ainda bem, pois eu tampouco agüentaria muito debate acerca disso.

Nos poucos que houve, no entanto, o formato era mais ou menos o seguinte: um médico explicando a “modernidade” da doença e as formas de diagnóstico precoce, e um representante do “mundo da moda” argumentando a inocência de seu negócio e as exceções de que se tratavam aquelas meninas. A questão clínica do problema chamou minha atenção pela sua bizarrice; a da responsabilidade, pela reflexão. Devo concordar com os tais representantes do “mundo da moda”: eles não têm nada a ver com isso.

O “mundo da moda” nada mais é do que a caricatura de um paradigma social. O que tem matado as meninas não é o seu desejo de se tornarem modelos, mas toda uma concepção de valores e ideologias que pairam hoje na sociedade de consumo. Atualmente, as culturas de massa – através de todos os seus meios, como TV, rádio, música, cinema etc – nos impõem um padrão de felicidade que por nós é absorvido como uma essência humana. E esse padrão de felicidade inclui um estereotipo de beleza física que passa a ser perseguido a qualquer custo como um valor social. As meninas estão morrendo, logo, não devido a um esforço inaudito em busca de sucesso profissional, mas porque querem se adaptar a esse padrão de beleza que recebem todo dia pelas culturas de massa.

Essa idéia fica mais clara quando lhes perguntamos quais são seus exemplos de mulheres a serem admiradas e imitadas. Todas as respostas se referirão a modelos de moda, cantoras pop, enfim, as chamadas “artistas” ou celebridades. As crianças consomem beleza e moda desde pequenas: a Barbie é loira, de olhos azuis, e rica; o que se vende hoje às crianças não são brinquedos, mas o “vestidinho da Xuxa”, a “sandalinha da Eliana” e a “bolsinha da Angélica”; a Carla Perez é apresentadora de programa infantil. Essas formam o padrão de personalidade a ser imitado. Ou seja, os valores sociais – aquilo que se considera bom, bonito, honroso, digno de reconhecimento – estão completamente distorcidos. A distorção, todavia, não é na atitude de morrer por um objetivo, mas em que objetivo é esse. Madame Curie, por exemplo, uma cientista polaca vencedora de dois Prêmios Nobel, também morreu devido ao exercício exaustivo de sua profissão, de câncer. Essa, no entanto, não é apontada como um modelo de mulher a ser seguido.

Nunca vi ninguém se matar de tanto ler Kant ou, trazendo para uma dimensão mais terrena, de tanto estudar para uma prova ou para um concurso. Se matar para ficar bonita, no entanto, já temos meia dúzia de casos em dois meses. Isso simboliza a diferença de importância que as pessoas dão às coisas: hoje, ser bonito é mais importante que adquirir cultura, que adquirir capacidade de reflexão, que adquirir conhecimento. Ser bonito é mais importante que viver. Em nada nos adianta viver se não somos bonitos, se a nossa beleza não está enquadrada aos moldes determinados pela sociedade de consumo, pois nossa felicidade e relações sociais dependem disso. Essa é a ideologia que as culturas de massa nos impuseram.

E não são somente as aspirantes a modelo que são mortas pela sociedade de consumo. A violência mata muito mais que a anorexia. As drogas, inclusive o álcool e o cigarro, também. Tudo isso em nome de um estereotipo de felicidade que nos foi imposto, do consumir pelo consumir, do ter antes do ser. Essa crise social necessita de uma mudança de valores, de ídolos para as pessoas. As meninas devem desejar ser grandes médicas, advogadas, engenheiras, e não “artistas de TV”. As modelos não podem ser mais as de moda. Precisamos de novos ídolos, novos ícones, com outros valores, que possam servir, agora sim, de modelos de verdade.